Cláusulas Compromissórias em Contratos de Adesão: um panorama Brasil vs. Estados Unidos

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Cláusulas Compromissórias em Contratos de Adesão: um panorama Brasil vs. Estados Unidos.

Eduarda Teixeira Martins[1]     

 

  1. Introdução

A cláusula compromissória é a convenção por meio  da qual as partes de um contrato se comprometem a submeter à arbitragem os eventuais litígios que decorrerem daquela relação[2]. Assim, uma vez fixada, a cláusula deve ser cumprida, visto que é apta a produzir efeitos jurídicos de caráter positivo e negativo[3].

O efeito negativo está relacionado com a renúncia à apreciação do Poder Judiciário, ao qual caberá negar curso a processo judicial quando a parte demandada demonstrar a existência de cláusula compromissória, ao passo que, o efeito positivo relaciona-se com a competência atribuída à arbitragem, fazendo, inclusive, com que o Judiciário remeta ao procedimento arbitral a parte relutante em adotá-lo[4].

Em paralelo, os contratos de adesão são aqueles que não resultam de livre negociação entre as partes, mas sim da aceitação tácita das cláusulas e condições impostas por uma parte para outra[5]. Trata-se, portanto, de técnica de formação de contrato, que pode ser aplicada a qualquer categoria ou tipo contratual, sempre que seja buscada a rapidez na conclusão do negócio[6].

Em razão do caráter impositivo das cláusulas nos contratos de adesão, o que em muitos casos representa a desigualdade das partes em determinada relação, tem-se no direito em geral uma maior preocupação quanto ao conteúdo destas. É neste contexto que o presente artigo busca abordar o emprego de cláusulas compromissórias nos contratos de adesão, traçando um panorama deste cenário no Brasil e nos Estados Unidos.

  1. Cláusulas Compromissórias em Contratos de Adesão no Brasil

A Lei Brasileira de Arbitragem (“LArb”), em seu art. 4º, §2º, impõe critérios objetivos para que uma cláusula compromissória inserta em contrato de adesão seja válida e, consequentemente, possa afastar a apreciação do Poder Judiciário. A Lei prevê duas hipóteses distintas: a primeira consiste em que o próprio aderente inicie o procedimento arbitral, o que, por óbvio, demonstraria o seu consentimento sobre a cláusula; e a segunda requer que o aderente concorde expressamente com a instituição da cláusula, para isso é necessário que ela seja estipulada em documento anexo ao contrato ou em negrito, com assinatura ou visto próprio.

Portanto, no direito brasileiro, em princípio, são válidas as cláusulas compromissórias constantes de contratos de adesão, desde que cumpridos esses requisitos. Contudo, é importante observar que, na grande maioria dos casos, os contratos de adesão irão disciplinar relações de consumo[7] e, nesta hipótese, o Código de Defesa do Consumidor deverá ser observado[8].

O art. 51, VII, do referido Código veda a utilização compulsória de arbitragem em sentido estrito nos contratos de fornecimento de produtos e serviços, ou seja, a regra aqui observada independe do contrato ser, ou não, de adesão. Em outras palavras, quando tratar-se de relação de consumo, a observância dos requisitos impostos pela Lei Brasileira de Arbitragem não será suficiente para que a cláusula compromissória produza efeitos positivos e negativos, o que só ocorrerá pela livre e consciente adesão volitiva do consumidor ao procedimento arbitral[9]. Isso porque, o Código de Defesa do Consumidor prevalece frente a disposições gerais[10].

  1. Casos Brasileiros

A aplicação e a distinção dos requisitos supracitados tornam-se ainda mais claras ao analisarmos julgados brasileiros sobre o tema. 

No AgInt no Recurso Especial nº 2030593-SP[11], em que se discutia a validade de cláusula compromissória inserta em contrato de franquia estabelecido por adesão, o Superior Tribunal de Justiça declarou a validade da cláusula por entender que esta foi pactuada em estrita observância ao art. 4º, §2º da Lei Brasileira de Arbitragem, visto ter sido firmada em declaração apartada do contrato principal, denominada “Termo de Declaração e Aceite da Cláusula Compromissória”.

Nota-se que o caso acima não discute relação de consumo e, em razão disso, o preenchimento dos requisitos impostos pela Lei Brasileira de Arbitragem foi suficiente para atribuir validade à cláusula compromissória.

Ao passo que, na Apelação nº 0089804-25.2010.8.19.0001[12], em que se discutia a validade de cláusula compromissória presente em contrato de venda de imóvel, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro entendeu pela invalidade da cláusula, mesmo diante do cumprimento dos requisitos da LArb. Isso porque, conforme consta da decisão, o contrato entre as partes configurava relação de consumo, logo, a mera proposição de ação judicial já demonstrava a discordância do consumidor e aderente quanto à instauração de procedimento arbitral.

Não há dúvidas, portanto, da preocupação tanto da legislação, quanto da jurisprudência brasileira, em relação à executabilidade das cláusulas compromissórias insertas em contratos de adesão e consumo.

  1. Cláusulas compromissórias em Contratos de Adesão nos Estados Unidos

Já nos Estados Unidos o cenário é bastante diverso, pois as cláusulas compromissórias postas em contratos de adesão possuem uma flexibilidade muito maior e, consequentemente, são executadas com uma maior facilidade do que no Brasil. Tal cenário decorre, principalmente, de dois fatores: a ausência de disposições específicas no Federal Arbitration Act e das decisões da Suprema Corte Americana.

O  FAA, diferentemente da Lei Brasileira de Arbitragem, não possui disposições específicas acerca dos contratos de adesão, apenas dispõe de forma genérica, na Seção 2, que os acordos de arbitragem celebrados por escrito em contratos que envolvem comércio são válidos, irrevogáveis e executáveis, ressalvadas as hipóteses legais que poderiam levar a nulidade de qualquer contrato[13].

Frente a isso, a Suprema Corte Americana tem adotado uma posição pró-arbitragem ao executar as cláusulas compromissórias insertas em contratos de adesão[14], em síntese, a interpretação adotada é de que se os consumidores fazem contratos envolvendo comércio, estes estão cobertos pelas disposições do FAA e, portanto, as cláusulas compromissórias podem ser executadas[15]. Concomitantemente, a Suprema Corte entende que as leis estaduais, apesar de possuírem regras próprias sobre a formação de contratos, não podem entrar em conflito direto com o Federal Arbitration Act, ou seja, o FAA prevalece sobre as leis estaduais que vierem a proibir ou regularizar a arbitragem de adesão[16].

  1. Casos

Entre vários outros, podemos citar o caso AT&T Mobility LLC v. Vincent Concepcion[17] para demonstrar tal entendimento da Suprema Corte Americana. No caso, as partes haviam firmado contrato de adesão de compra e manutenção de telefone, o qual continha cláusula compromissória que instituía a utilização de arbitragem e determinava que os procedimentos deveriam ser individuais, afastando a possibilidade de class arbitration.

Anos após a celebração do contrato, o aderente apresentou uma queixa contra a AT&T, mais tarde consolidada como uma ação coletiva, sob o argumento de que, segundo as Leis da Califórnia, a cláusula compromissória seria inválida por afastar as ações coletivas. Tanto a Corte Distrital, quanto o Nono Circuito deram razão ao aderente e afastaram a cláusula compromissória, por entenderem que as Leis da Califórnia não seriam impedidas pelo FAA. Entretanto, a Suprema Corte anulou tais decisões, por entender que as disposições da lei estadual obstruíam os objetivos do FAA e, portanto, não poderiam prevalecer. Em outras palavras, a Suprema Corte, contrariamente às instâncias inferiores, decidiu pela validade da cláusula compromissória e determinou o arquivamento da ação coletiva.

  1. Conclusão  

Frente ao exposto, depreende-se que o Brasil, no que tange a celebração de cláusulas compromissórias em contratos de adesão, adota um posicionamento protecionista, em que prevalece o interesse do aderente e consumidor quanto à utilização da arbitragem. Ao passo que, nos Estados Unidos, tem prevalecido um posicionamento pró-arbitragem, em que a preocupação se concentra no cumprimento do Federal Arbitration Act de forma literal.


[1] Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais

Estagiária em Azevedo Sette Advogados

[2] BRASIL. Lei Nº 9.307/96, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem. Brasília, DF: Diário da União, 1996.

[3] MARTINS, Pedro A. Batista. Cláusula Compromissória: questões pontuais. Disponível em: http://batistamartins.com/en/clausula-compromissoria-questoes-pontuais-2/ Acesso em: 07/10/2024.

[4] APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Cláusula Compromissória: aspectos contratuais. São Paulo: Revista do Advogado, n. 116, 2012.

[5] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, v. 3.

[6] JÚNIOR, Nelson Nery. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto – Direito material. 10. ed., Rio de Janeiro: Forense, v. I, 2011.

[7] SCALETSCKY, Fernanda Sirotsky. Arbitragem e “Parte Fraca”: a questão das relações de consumo. Revista Brasileira de Arbitragem, nº 41, 2014, pp. 68-98.

[8] BRASIL. Lei Nº 8.078/90, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Brasília, DF: Diário da União, 1990.

[9] OLIVEIRA, James Eduardo. Código de Defesa do Consumidor anotado e comentado – Doutrina e jurisprudência. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

[10] COUTINHO, Renato Fernandes. Cláusulas Arbitrais em Contratos de Adesão. Revista Brasileira de Arbitragem, nº 32, 2011.

[11] STJ. Agravo Interno no Recurso Especial nº 2030593-SP, 4ª Turma, Relatora Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 11.09.2023.

[12] TJRJ. Apelação Cível nº 0089804-25.2010.8.19.0001. 10ª Câmara Cível, Relatora Des. Patrícia Ribeiro Serra Vieira, julgado em 10.06.2011.

[13] Act Feb. 12, 1925, ch. 213, § 2, 43 Stat. 883.

[14] ARONOVSKY, Ronald G. Starting Over: Letting States Regulate Adhesion Arbitration Agreements. 71 Syracuse Law Review 1019, 2021.

[15] Stephen J. Ware, A Short Defense of Southland, Casarotto, and Other Long-Controversial Arbitration Decisions, 30 LOY. CONSUMER L. REV. 303, 318 (2018).  

[16] Southland Corp. v. Keating, 1984.

[17] AT&T Mobility LLC v. Vincent Concepcion, Opinion of the Supreme Court of the United States No. 09–893, 27 April 2011

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