Responsabilidade pelo pagamento das custas em procedimentos arbitrais envolvendo a Administração Pública
Responsabilidade pelo pagamento das custas em procedimentos arbitrais envolvendo a Administração Pública
Bruna Bejjani Marques[1]
Sofia Martins Coelho[2]
RESUMO
O presente artigo tem como principal objetivo a melhor compreensão acerca do ônus de pagamento de custas nos procedimentos arbitrais que envolvem a Administração Pública. O tema perpassa os princípios que norteiam a atuação dos entes públicos, bem como os fundamentos do instituto da arbitragem. Nesse sentido, discute-se sobre a responsabilidade de arcar com as custas e despesas nas arbitragens, principalmente considerando as consequências orçamentárias quando este ônus recai, ou deveria recair, sobre o ente público.
Palavras-chave: arbitragem; custas procedimentais; Administração Pública.
1 ARBITRAGEM ENVOLVENDO A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A arbitragem é um método adequado para a resolução de conflitos que versem sobre direitos patrimoniais disponíveis[3]. Nesse instituto, a disputa travada entre pessoas capazes de contratar é dirimida por um terceiro imparcial eleito pelas partes: o árbitro[4].
Os procedimentos arbitrais que tenham a Administração Pública como parte foram viabilizados pela Lei nº 13.129 de 2015, que alterou a Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307 de 1996), positivando, de forma expressa, a possibilidade de o ente público valer-se do instituto para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
Nesse sentido, é importante notar que a atuação da Administração Pública, o que inclui sua participação em arbitragens, é pautada por diversos princípios, evidenciados no caput do art. 37 da Constituição Federal[5]. A partir da interpretação destes princípios, entende-se que os entes públicos, diferentemente dos particulares, precisam, necessariamente, observar certas diretrizes orçamentárias.
Assim, surge o questionamento sobre a responsabilidade pelo pagamento das custas em arbitragens com a Administração Pública[6]. Se por um lado o ente público pode ser parte em um procedimento arbitral, por outro, deve observar o planejamento orçamentário, o que pode constituir um entrave na sua atuação[7].
O planejamento orçamentário representa uma projeção de entradas e saídas financeiras nos órgãos públicos, dessa forma, identifica-se uma complexidade em provisionar os gastos com as custas arbitrais em momento prévio à instauração do procedimento. Caso esta situação não possa ser flexibilizada, poderia impedir a participação dos entes públicos em procedimentos arbitrais.
2 PAGAMENTO DAS CUSTAS NOS PROCEDIMENTOS ARBITRAIS
A forma como será realizado o pagamento das custas nos procedimentos arbitrais pode ser disposta entre as partes. Ou seja, é facultado às partes pactuar qual dos envolvidos será responsável por arcar com as custas, mas, quando necessário, o custo do procedimento pode ser alocado a partir dos dispositivos da sentença arbitral.
A título de exemplo, o Regulamento do CAM-CCBC prevê, em sua Resolução Administrativa 09/2014 (ref.: Interpretação e aplicação do Regulamento da CAM-CCBC sobre Arbitragens que envolvem a Administração Pública), a possibilidade de o particular ser responsável pelo pagamento inicial e/ou antecipado dos encargos e taxas devidos ao CAM-CCBC, bem como pelo adiantamento dos honorários devidos aos árbitros. Isso, sem prejuízo de eventual e posterior ressarcimento por parte da Administração Pública.[8]
Nesse sentido, quando determinado procedimento arbitral possui como uma das partes um ente público, as custas são, via de regra, ônus do contratado, o particular, que deverá antecipá-las à câmara responsável e, nos casos em que haja deliberação nesse sentido em sentença arbitral, serão restituídas. Esta é justamente uma das normas disciplinadas pelo Decreto 10.025/2019, que dispõe sobre a arbitragem para dirimir litígios que envolvam a administração pública federal nos setores portuário e de transporte rodoviário, ferroviário, aquaviário e aeroportuário[9].
Nesta situação, a referida restituição do valor ao particular se efetivará por meio da expedição de precatórios ou de requisições de pequeno valor[10]. Entretanto, quando o ônus de antecipação de custas recai exclusivamente sobre o particular, a doutrina pátria entende que alguns óbices se evidenciam, o que pode criar margem para o abuso de poder do Estado.
Isso porque, essa previsão não necessariamente espelha o melhor funcionamento do procedimento e a isonomia entre as partes[11], uma vez que seria plenamente possível que a Administração Pública também fosse responsável por desembolsar os valores necessários ao andamento do feito. Esta é a conclusão assentada pelo Professor Carlos Alberto Carmona[12]:
Se o Estado pretende mesmo se envolver na arbitragem – e creio que não poderá deixar de fazê-lo, sob pena de afastar parceiros importantes, parceiros que possivelmente não se interessarão de participar de licitações ou concessões se não houver garantia de solução rápida e eficiente de litígios -, terá que encontrar os mecanismos apropriados dentro das regras do direito administrativo para separar alguma verba dedicada, no orçamento, ao custeio do litígio. Mais do que isso, deve entender o administrador que a escolha da arbitragem acarreta um investimento maior do que o previsto para o processo estatal.
Diante de tais previsões, percebe-se que para a satisfação tanto aos princípios da arbitragem quanto aos da Administração Pública, é necessário que sejam destinadas verbas específicas para fins de custeio ao procedimento arbitral, devendo tais despesas estarem previstas, ainda que de maneira geral, no escopo do contrato ou da entidade pública contratante[13].
Sendo assim, observadas as limitações econômicas e de planejamento, a responsabilidade para arcar com as custas nos procedimentos arbitrais que envolvem entes públicos pode ser flexibilizada a fim de fomentar a eficiência da arbitragem, princípio este que já é próprio do instituto, bem como para promover maior isonomia entre as partes.
3 CONCLUSÃO
A partir do crescimento da Arbitragem no Brasil, verificou-se a necessidade de observância de especificidades para a inserção da Administração Pública como parte nos procedimentos arbitrais. Dentre os aspectos que merecem especial atenção, destaca-se o ônus do pagamento das custas.
Muito embora seja facultado as partes convencionarem a quem será atribuída a responsabilidade de arcar com as custas iniciais, o Decreto nº 10.025/2019, por exemplo, prevê casos específicos em que o contratado tem o dever de antecipá-las à câmara arbitral. Contudo, neste contexto, deve-se atentar concomitantemente aos princípios inerentes à Administração Pública e ao instituto da Arbitragem para que, a fim de atender a eficiência e promover maior isonomia entre as partes. Isso porque, verificando-se a possibilidade de a administração pública arcar com as custas nos procedimentos arbitrais, respeitando os limites do planejamento orçamentário, revela-se uma oportunidade de garantir maior paridade entre as partes no procedimento arbitral.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto nº 10.025, de 20 de setembro de 2019. Dispõe sobre a arbitragem para dirimir litígios que envolvam a administração pública federal. Brasília, DF. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Decreto/D10025.htm. Acesso em 20 out 2024.
BRASIL. Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem. Brasília, DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9307.htm. Acesso em: 15 out 2024.
BRASIL. Lei n. 13.129 de 26 de maio de 2015. Altera a Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, e a Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Brasília, DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015- 2018/2015/lei/l13129.htm. Acesso em: 15 out 2024.
Cahali, Francisco José. Curso de Arbitragem. São Paulo, Thomson Reuters Brasil, 2018. E-book.)
CAM/CCBC. Resolução Administrativa 09/2014, 20 de outubro de 2014. Interpretação e aplicação do Regulamento do CAM/CCBC. Arbitragens que envolvem a Administração Pública Brasileira.
Carmona, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à lei n. 9.307/96. São Paulo: Atlas, 2009.
Cunha, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. Rio de Janeiro: Forense, 2020. 17. Ed, p. 909.
Junqueira, André Rodrigues; Oliveira, Mariana Beatriz Tadeu de; Santos, Michelle Manaia. Cláusula de solução de controvérsias em contratos de parcerias público-privadas: estudo de casos e proposta de redação. In: Parcerias público-privadas. Mastrobuono, Cristina Margarete Wagner; e Fragata, Mariângela Sarubbo (org.). São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2014, p. 341).
Mello, Rafael Munhoz de. Arbitragem e Administração Pública. Direito do Estado em Debate. Revista Jurídica da Procuradoria-Geral do Estado do Paraná, 2015.
Oliveira, Gustavo Justino de. Especificidades do processo arbitral envolvendo a Administração Pública. São Paulo: Tomo Direito Administrativo e Constitucional, Edição 1, abril de 2017.
Salles, Carlos Alberto de. A Arbitragem na solução de controvérsias contratuais da Administração Pública. São Paulo, 2010.
[1] Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Advogada. bejjani.bruna@gmail.com
[2] Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Advogada. sofiamcoelho2@gmail.com
[3] A Arbitragem, ao lado da jurisdição estatal, representa uma forma heterocompositiva de solução de conflitos. As partes capazes, de comum acordo, diante de um litígio, ou por meio de uma cláusula contratual, estabelecem que um terceiro, ou colegiado, terá poderes para solucionar a controvérsia, sem a intervenção estatal, sendo que a decisão terá a mesma eficácia que uma sentença judicial. (CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem. São Paulo, Thomson Reuters Brasil, 2018. E-book.)
[4] De acordo com o caput do artigo 13 da Lei nº 13.129/2015: “pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes.”
[5] A Administração Pública pode submeter suas disputas a uma arbitragem, podendo esta ser ad hoc ou institucional. Há, entretanto, algumas adaptações que devem ser feitas. A Administração Pública, de qualquer dos poderes, está submetida aos princípios previstos no art. 37 da Constituição Federal, a saber: legalidade, moralidade, publicidade, impessoalidade e eficiência. (Cunha, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. Rio de Janeiro: Forense, 2020. 17. Ed, p. 909.)
[6] Nos casos em que o Estado requerer a instauração do procedimento arbitral, surge a questão atinente a como proceder ao adiantamento das custas, tendo em vista a necessidade de dotação orçamentária para tal fim. Considerando que, como visto, a instauração do Tribunal Arbitral somente ocorrerá com o surgimento de um conflito, estaríamos diante de um evento condicionado, a dizer, futuro e incerto. Daí que, não haveria como, de antemão, prever uma dotação orçamentária específica para este fim. (JUNQUEIRA, André Rodrigues; OLIVEIRA, Mariana Beatriz Tadeu de; SANTOS, Michelle Manaia. Cláusula de solução de controvérsias em contratos de parcerias público-privadas: estudo de casos e proposta de redação. In: Parcerias público-privadas. MASTROBUONO, Cristina Margarete Wagner; e FRAGATA, Mariângela Sarubbo (org.). São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2014, p. 341).
[7] Considerando as limitações orçamentárias a que estão sujeitos os entes públicos, em especial a Administração Pública Direta, o pagamento das taxas administrativas e honorários arbitrais pode gerar dificuldades práticas. Se a Administração é a parte requerente no procedimento, o não pagamento pode impedir o prosseguimento do caso, em prejuízo da efetiva tutela do direito de titularidade do Poder Público. (MELLO, Rafael Munhoz de. Arbitragem e Administração Pública. Direito do Estado em Debate. Revista Jurídica da Procuradoria-Geral do Estado do Paraná, 2015).
[8] Enunciado 4. Nas arbitragens que envolvem controvérsias entre a Administração Pública e particulares, o particular poderá ser o responsável pelo pagamento inicial e/ou antecipado dos encargos e taxas devidos ao CAM/CCBC, assim como pelo adiantamento dos honorários devidos aos árbitros, conforme valores previstos na Seção 12 do Regulamento, sem prejuízo de eventual e posterior ressarcimento por parte da Administração Pública, nos termos do laudo arbitral.
[9] Art. 9º, Decreto nº 10.025/2019. As custas e as despesas relativas ao procedimento arbitral serão antecipadas pelo contratado e, quando for o caso, restituídas conforme deliberação final em instância arbitral, em especial: I – as custas da instituição arbitral; e II – o adiantamento dos honorários arbitrais.
[10] Art. 15, Decreto 10.025/2019. Na hipótese de sentença arbitral condenatória que imponha obrigação pecuniária à União ou às suas autarquias, inclusive relativa a custas e despesas com procedimento arbitral, o pagamento ocorrerá por meio da expedição de precatório ou de requisição de pequeno valor, conforme o caso. § 1º Na hipótese de que trata o caput, compete à parte vencedora iniciar o cumprimento da sentença perante o juízo competente.
[11] A antecipação de custas pelo privado tende a criar um ambiente de desigualdade entre as partes. Previsões dessa natureza, que também são encontradas em alguns contratos, refletem uma contingência de planejamento do setor público, dado que, em geral, as entidades governamentais não provisionam em seu orçamento uma rubrica própria para o pagamento de despesas com eventual arbitragem. Com a maturidade no uso dos instrumentos privados de solução de disputas pelo setor público, acredita-se que o adimplemento das despesas procedimentais poderá assumir uma disciplina mais equânime. (JUNQUEIRA, André Rodrigues. Nova Lei das Concessões – A previsão de arbitragem na Lei Federal nº 13.448/2017. Artigo publicado no Blog do CBAr, disponível em: https://cbar.org.br/site/nova-lei-das-concessoes-a-previsao-de-arbitragem-na-lei-federal-n-13-4482017/.Acesso em 16.10.2024.)
[12] Carmona, Carlos Alberto. Arbitragem e administração pública – primeiras reflexões sobre a arbitragem envolvendo a administração pública. Revista Brasileira de Arbitragem, Ano XIII, nº 51, jul-set/2016, p. 10
[13] Salles, Carlos Alberto de. A Arbitragem na solução de controvérsias contratuais da Administração Pública. São Paulo, 2010. P.398.