Relatório do 6º Encontro do Ciclo de Workshops “Inadimplemento, Dano e Arbitragem” NewGen
Caio Tabet[1]
No dia 29 de maio de 2023, o NewGen realizou o 6° Encontro do Ciclo de Workshops “Inadimplemento, Dano e Arbitragem”. Dessa vez, o encontro foi realizado de forma virtual e teve como tema “nulidade, restituição e indenização”. Os convidados da edição foram Daniela Monteiro Gabbay (FGV-SP), Renato Moraes (Cascione Advogados) e Rodrigo da Guia Silva (UERJ).
O Ciclo de Workshops do NewGen é uma iniciativa coordenada pela Professora Renata Steiner (FGV-SP), ao lado de Fabiana Leite, Julia Lage e Pedro Guilhardi e que já é um marco na comunidade jurídica para as atividades acadêmicas que envolvem direito civil e arbitragem. Nos encontros, profissionais de todas as partes do país se reúnem para discutir questões práticas de direito contratual a partir de um caso fictício preparado pela organização e enviado previamente aos participantes, que têm a chance de debater ideias com convidados experientes e especializados nos temas dos encontros.
Conforme a dinâmica já realizada nos demais encontros do Ciclo de Workshops, os participantes receberam, antes do encontro, um documento com (i) a apresentação dos convidados; (ii) o caso prático fictício preparado pela organização; e (iii) as regras e dinâmica do Workshop, para preparação prévia.
O caso fictício desta edição envolvia contrato de fornecimento de turbina para usina hidrelétrica, firmado entre particulares. O comprador, por sua vez, era um Consórcio que realizou a compra das turbinas em razão de Contrato de EPC que celebrou, após vencer licitação, com a União Federal. Segundo o ajustado, os marcos para os pagamentos devidos pelo Consórcio pela aquisição das turbinas eram vinculados ao recebimento de valores pela União Federal. As turbinas foram entregues e instaladas na usina hidrelétrica.
No entanto, durante a vigência dos contratos e antes de recebida a integralidade do preço, o Tribunal de Contas da União (“TCU”), em procedimento de Tomada de Contas Especial cujo objeto era a suposta irregularidade na licitação outorgada ao Consórcio, decidiu, liminarmente, suspender a execução do Contrato de EPC. Diante da suspensão, o Consórcio entendeu por bem suspender os pagamentos objeto do Contrato de Fornecimento à Construtora.
Em razão da referida suspensão, a Construtora iniciou procedimento arbitral em face do Consórcio, pleiteando a cobrança de (i) o pagamento imediato do restante preço vinculado ao Contrato de Fornecimento, independente do marco contratual de recebimento de valores pela União Federal, acrescido de juros e correção monetária desde a data da decisão do TCU e dos (ii) prejuízos decorrentes do atraso no pagamento de parcela intermediária e que havia sido paga sem encargos moratórios pelo Consórcio. Durante o curso da arbitragem, sobreveio nova decisão do TCU, que reconheceu a ocorrência de fraude licitatória, decretou a nulidade do Contrato de EPC e determinou a restituição das partes ao status quo antes da contratação. O envolvimento do Consórcio na fraude não foi elucidado, mas tampouco afastado pela decisão do TCU.
Na arbitragem, o Consórcio passou a sustentar que o Contrato de Fornecimento era, também ele, nulo e que isso afastaria as pretensões nela formuladas.
Para balizar os debates do encontro, o caso fictício forneceu uma Ordem Processual do Tribunal Arbitral (OP 1), que instigou as partes a quantificarem seus pleitos no cenário hipotético de reconhecimento da nulidade do Contrato de Fornecimento. Assim, foi solicitado que se manifestassem sobre os efeitos da nulidade em relação aos seguintes pontos:
- pagamentos já realizados no âmbito do Contrato de Fornecimento;
- pagamentos a realizar;
- abrangência da obrigação de restituição;
- destino a ser dado à parcela de lucro embutida no preço contratado;
- eventuais outras indenizações devidas, inclusive aquela referente à alegada mora na quitação de parcela intermediária do preço; e
- encargos moratórios e seus termos a quo.
A partir da limitação trazida na OP 1, os participantes foram divididos em grupos durante o encontro, cada qual sob orientação de um dos convidados. Durante cerca de 90 minutos, eles deveriam discutir os argumentos favoráveis a cada uma das partes, a fim de que chegassem à conclusão conjunta, representativa do que seria, na visão do grupo, a melhor solução jurídica para o caso proposto. Ao final, cada grupo escolheu um(a) relator(a) para apresentar aos demais as reflexões e as conclusões alcançadas. Nesse exercício, cada grupo trouxe uma percepção diferente para os problemas propostos, com soluções variadas para cada um dos pontos controvertidos.
As principais discussões versaram sobre (i) os fatores que deveriam ser considerados para a quantificação de danos em caso de invalidade, voltando-se à discussão sobre indenização pelo interesse positivo e pelo interesse negativo – como o custo da Construtora com a produção e a instalação das turbinas, o preço da parcela intermediária paga com atraso pelo Consórcio, o custo de capital da Construtora, o custo extra da Construtora em razão do atraso do pagamento pelo Consórcio e o valor relacionado ao contrato que a Construtora deixou de firmar com outra empresa; (ii) a relevância, ou não, da mora, diante da nulidade de um contrato; e (iii) os termos inicial e final da mora no caso concreto – se da data do reconhecimento da nulidade do Contrato de EPC, da data da assinatura do Contrato de EPC ou da data do inadimplemento.
À luz dos debates, a coordenadora Renata Steiner trouxe provocações adicionais sobre questões de direito material e de direito processual, sobre as quais os convidados Daniela Monteiro Gabbay, Renato Moraes e Rodrigo da Guia Silva expuseram suas impressões.
A partir dessas reflexões e de considerações dos participantes, o debate se estendeu sobre questões complexas, como (i) a possibilidade e a utilidade de Tribunais Arbitrais instigarem as partes a quantificarem danos, de modo antecipado à decisão sobre o mérito da questão (no modelo fictício proposto pela OP 1); (ii) a aplicação do artigo 182 do Código Civil ao caso proposto, com a discussão sobre o sentido da indenização pelo equivalente quando a restituição ao status quo ante não for possível; (iii) o grau de importância da má-fé e da boa-fé em situações de indenização e de restituição; (iv) o reconhecimento da pluralidade das fontes das obrigações e de seus regimes jurídicos; e (v) o interesse contratual a ser tutelado em casos de nulidade e seu impacto aos casos de restituição.
Para os participantes, o encontro resultou em discussões ricas e práticas, especialmente para ampliar e aprimorar o debate sobre quantificação de danos e pensá-la à luz de situações de nulidade, de indenização e de restituição.
Em tempo: embora o caso seja inteiramente fictício, a decisão do TCU nele referida é verdadeira e aplicou, como consequência da nulidade imputável ao particular, o disgorgement of profits. Ela pode ser acessada aqui.
[1] Advogado de Xavier Gagliardi Inglez Verona Schaffer Advogados.