Agressividade vs. assertividade: qual seria a melhor forma de conduzir um cross-examination?

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Agressividade vs. assertividade: qual seria a melhor forma de conduzir um cross-examination em arbitragem?

 

Gabriela de Oliveira Fernandes[1]

Bárbara Janne Fonseca da Silva[2]

 

Para quem gosta de direito, as séries e filmes são um bom passatempo daquilo que parece ser a realidade de um jurista. Especificamente, as produções norte-americanas, como Suits e The Lincoln Lawyer, ganharam destaque nos últimos anos com a inteligência e habilidade dos advogados que protagonizam os shows e fazem dos tribunais e mesas de negociação um verdadeiro espetáculo.

Durante a construção das histórias, os advogados sempre se portam como figuras quase intocáveis, com uma astúcia incomparável: são rígidos, nenhum erro é capaz de passar por eles e há sempre uma estratégia por trás de suas ações. Assim, os personagens se tornam figuras de inspiração para quem quer advogar um dia, afinal quem não quer ser sempre vitorioso como Harvey Specter e Jessica Pearson, ou esperto como Mickey Haller?

Nas produções cinematográficas, alguns dos momentos mais cruciais – e cheios de suspense – são aqueles em que os advogados realizam a inquirição de alguma testemunha, seja ela “fática” ou “técnica”. Essas cenas quase sempre são decisivas para o desfecho dos enredos e ganham destaque, sobretudo, pela postura severa dos advogados, que agem de maneira quase que brutal com o objetivo de pressionar a testemunha a dizer a resposta que resolverá o caso. Isto é, na visão dos filmes e séries, é a agressividade associada à implacabilidade do advogado que poderá conduzir o caso à vitória, mas essa narrativa é exatamente aquilo que se propõe a ser: ficcional.

A utilização da agressividade como ponto estratégico e favorável à condução de uma inquirição não poderia estar mais distante daquilo que realmente se considera apropriado no desenvolvimento de um cross-examination. Todavia, conduzir um depoimento da maneira mais eficiente e adequada pode se revelar como uma tarefa de certa dificuldade, especialmente para os novos advogados.

É por isso que, reconhecendo as dificuldades naturais de jovens arbitralistas com a condução de um interrogatório, em 12 de março de 2025, a Câmara de Comércio Internacional (ICC, da sigla em inglês), por meio do Young ICCA, realizou um Workshop sobre o cross-examination de assistentes técnicos[3]. Naquela oportunidade, o treinamento se debruçou sobre elementos essenciais ao desenvolvimento da inquirição de um assistente técnico, mas um tema específico chamou atenção por ter sido abordado em todos os painéis do dia: a postura dos advogados.

Quando questionados sobre como identificar o melhor “estilo de inquirição” a ser adotado com os assistentes técnicos em um cross-examination, os experientes painelistas[4] – que compreendiam renomados árbitros e especialistas técnicos – traziam destaque à desnecessidade de uma postura agressiva com aqueles que estão sentados no banco das testemunhas. Percebeu-se, ali, uma especial preocupação em repassar aos jovens arbitralistas que a agressividade vista nos filmes americanos não necessariamente trará os resultados que assistimos na televisão.

Nesse sentido, um dos ensinamentos mais importantes do workshop foi a sugestão de adoção da premissa de que os assistentes técnicos participam das arbitragens para facilitar a compreensão do Tribunal Arbitral sobre os assuntos técnicos da controvérsia, que fogem dos temas de direito. Nessa lógica, seria mais apropriado fazer com que os assistentes técnicos ficassem confortáveis ao serem inquiridos. Ademais, sugeriu-se a seleção dos temas que são realmente importantes, para que, de forma estratégica, o advogado possa demonstrar ao Tribunal porque a resposta fornecida corrobora suas alegações, ou demonstra que os fundamentos da parte contrária são irrelevantes à solução da controvérsia.

A realidade é que uma comunicação agressiva e desrespeitosa pode, em verdade, causar certa descredibilidade do advogado que está conduzindo o depoimento, o que apenas traz óbices ao objetivo principal de elucidação dos fatos para compreensão da controvérsia pelo Tribunal Arbitral. Assim, ao contrário do que retratam as produções hollywoodianas, a agressividade com testemunhas se mostra absolutamente contraproducente.

Ainda que se esteja diante de um expert que falta com a verdade em seu depoimento, é necessário recordar que o papel do advogado será apenas expor referidas inverdades, de forma que caberá ao Tribunal Arbitral, e apenas a ele, alertar o expert das consequências do proferimento de declarações falsas em juízo. Em outras palavras: o Tribunal que deverá corrigir a postura do expert e conduzir a audiência, não o advogado.

O cross-examination não deve ser encarado como um espetáculo improvisado, tampouco como um campo de batalha. Ele se assemelha muito mais a um processo de ensino cuidadosamente planejado, em que se conduz a testemunha por um caminho já traçado, com objetivos claros. Não se trata de um jogo de sorte ou de força bruta, mas de estratégia e clareza narrativa.

O seu principal objetivo não é necessariamente a descoberta de fatos novos, mas sim a reafirmação de elementos fáticos que sustentam a teoria do caso apresentada desde o início do procedimento arbitral. É nesse momento que as peças do quebra-cabeça devem se encaixar com clareza, a partir da própria narrativa da testemunha, guiada por perguntas cuidadosamente elaboradas.

Naturalmente, se durante o curso do interrogatório emergirem informações novas e úteis, deve-se estar atento e com conhecimento suficiente do caso para que se possa explorá-las no momento da inquirição, ainda que as informações novas não tenham sido previstas na preparação do cross-examination.  A maior força está justamente na preparação, isto é, na escolha das histórias que precisam ser contadas, na definição de como contá-las, e na execução dessa construção durante o interrogatório. A preparação é o que transforma um conjunto de perguntas em uma narrativa coerente e persuasiva.

Na prática, no entanto, o que se observa com frequência é a condução de um cross-examination pautado por perguntas excessivamente indutivas, que acabam por limitar as possibilidades de resposta da testemunha. Ao tentar forçar confirmações, o advogado muitas vezes enfraquece o valor do depoimento. Assim, aquilo que deveria ser uma ótima ferramenta para constranger a parte adversa a reconhecer fatos essenciais à disputa, acaba por produzir um resultado oposto: a redução do peso probatório da evidência oral.

É preciso resgatar a essência do interrogatório como parte estruturante da prova. Quando guiado com precisão, ele não apenas reforça a narrativa construída ao longo do processo, mas também contribui para uma apresentação mais clara, sólida e eficaz dos fatos que realmente importam para o desfecho da disputa.

Não se defende aqui a adoção de uma postura excessivamente amigável com os experts que estão sendo interrogados, mas de uma postura assertiva que, por meio de uma comunicação respeitosa e estrategicamente elaborada, conseguirá associar as informações do caso com as respostas fornecidas, utilizando-as de maneira verdadeiramente produtiva ao caso e demonstrando, durante o próprio depoimento, os motivos pelas quais suas alegações se veem confirmadas no cross-examination.

Assim, ainda que se deseje agir com a mesma intensidade de Harvey, Jessica e Mickey, deve-se lembrar que a espetacularização dos interrogatórios não traz benefícios a nenhum dos envolvidos no procedimento arbitral. É desejável que o advogado aja com assertividade, ao invés de agressividade, demonstrando confiança (i) na fundamentação elaborada na fase postulatória da arbitragem, (ii) na sua própria preparação para a inquirição e (iii) no juízo de previsibilidade traçado em relação às possíveis respostas para as perguntas elaboradas que, no melhor dos cenários, apenas confirmarão as alegações traçadas anteriormente e, aí sim, “ganharão o caso”.

 

 

[1] Advogada da equipe de arbitragem no escritório Toledo Marchetti Advogados. Pós-graduanda em Direito dos Contratos pela FGV/SP e em Direito da União Europeia pela Universidade de Coimbra.

[2] Advogada da equipe de contencioso e arbitragem no escritório Toledo Marchetti Advogados, graduada pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

[3] YOUNG ICCA, Young ICCA Skills Workshop: Cross-Examination of Experts. São Paulo, 2025. Disponível em:  <https://www.youngicca.org/young-icca-skills-training-workshop-cross-examination-experts>. Acesso em: 14 arb. 2025.

[4] Especificamente, Mayra Bryce (Sócia no Payet, Rey, Cauvi, Pérez Abogados) e Eduardo Damião Gonçalves (Sócio no Mattos Filho Advogados). O evento contou, ao todo, com a participação de Gustavo Kulesza e André Abbud (Sócios no BMA Advogados), Karina Goldberg (Sócia no FCDG Advogados), Daniela Bambaci (Diretora-Executiva da BRG), Leonardo Florencio (Diretor-Executivo da FTI), Mark Berberian (Vice-Presidente do Analysis Group), Gustavo Galizzi (Diretor-Executivo da Alvarez & Marsal) e Santiago Gatica (Sócio no Freshfields Bruckhaus Deringer).

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