Coluna dos Editores
A Coluna dos Editores é um espaço dedicado ao compartilhamento de experiências e insights de notáveis profissionais da área de resolução de disputas.
Para a Edição #10 da NewGen News, convidamos Marcelo Perlman, bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo e mestre pela University of Chicago, também Distinguished Fellow da International Academy of Mediators (“IAM”) e Fellow do Chartered Institute of Arbitrators (“FCIArb”), integrante de painéis de mediação e de listas de mediadores de renomadas instituições nacionais e internacionais, para dividir suas experiências conosco.
Em uma conversa descontraída, o sócio-fundador de Perlman Mediação e Estratégias Jurídicas compartilhou parte de sua trajetória profissional, deu dicas para a construção de uma carreira na área de alternative dispute resolution no Brasil e opinou sobre o desenvolvimento da mediação no país.
Editoria da NewGen News: Para começar a entrevista, gostaríamos de entender como foi a construção da sua carreira, desde a escolha do curso na graduação, até o movimento mais recente, que foi a inauguração de seu próprio escritório.
Marcelo Perlman: Chegamos aonde chegamos por circunstâncias e caminhos que se apresentam. Olhando para trás, o que aconteceu na minha carreira foi longe de ser algo ultra planejado.
Comecei minha carreira como advogado na área consultiva de operações. Quando a arbitragem despontou, até despertou meu interesse, mas eu já tinha trilhado meu percurso inicial em societário e em Mergers & Acquisitions (“M&A”).
Depois, fiz o Master of Laws (“LLM”) em Chicago, nos Estados Unidos, interessando-me pela área de Law & Economics.
Em seguida, trabalhei em Nova Iorque com M&A e mercado de capitais. Ao voltar para o Brasil, estava com vontade de tentar algo novo e fui trabalhar na Companhia Siderúrgica Nacional (“CSN”).
Lá, fui responsável pela área de siderurgia e cimentos por dois anos, uma prática completamente diferente de tudo que eu já tinha vivido, e pude presenciar o dia a dia de uma empresa.
Na sequência, co-fundei um escritório próprio, na mesma a área em que já trabalhava.
Foi uma carreira atípica quando comparada à de mediadores de dedicação integral. Eu não fui um advogado com atuação focada na área de litígios; minha atuação sempre foi voltada ao consultivo e ao relacionamento com clientes.
Assim, eu sempre tive um olhar diferente para as disputas, e ajudei clientes a negociar e a montar estratégias dentro delas.
Quando me encantei pela mediação, olhei para a minha trajetória como um todo e percebi que o caminho que me levou a isso havia começado muito antes do que eu imaginava.
No LLM, em 2006, fiz a cadeira de negociação e mediação e lembro de estudar por conta própria o modelo de negócios do Judicial Arbitration and Mediation Services, Inc. (“JAMS”), uma empresa de mediação bastante relevante nos EUA. Eu já tinha esse interesse, apesar de, ao retornar ao Brasil, ter colocado um pouco de lado.
Na própria CSN, trabalhei em causas de direito marítimo e de compra e venda de commodities que foram objeto de negociação em Londres.
Entretanto, a dica mais clara veio quando, já no escritório de advocacia, trabalhei para uma companhia aberta que enfrentava divergências entre sócios. Eu fui contratado pelo conselho para facilitar a comunicação entre blocos de sócios e, assim, contribuir para a resolução dos dissensos e tomada de deliberações.
Creio que foi ali que surgiu o meu interesse em atuar como um agente neutro, um facilitador, que não precisa ter uma solução pronta, nem ser um expert para direcionar o assunto.
Muito mais adiante, tive outras oportunidades de atuar em processos que envolveram mediação fora do país, e também em mediação por aqui, comecei a estudar, a fazer cursos no exterior, e a conversar com mediadores, sobretudo que atuavam no exterior.
E aí, foi de 2019 para 2020 que a chave virou.
Editoria da NewGen News: Pelo que sabemos, o seu escritório Perlman Mediação e Estratégias Jurídicas é bastante diferente dos escritórios de advocacia convencionais. Em que se baseia o modelo que o senhor seguiu para montar o seu negócio?
Marcelo Perlman: Eu não o chamo de escritório, mas sim de prática. Não sei se o reconheço como um negócio propriamente dito. Fui para um lugar de prática como mediador.
Há também situações em que sou chamado para atuar como negociador ou apoiador em processos de mediação, mas não são tão frequentes. Deixei espaço para atuar como assessor e para agregar o valor da minha experiência anterior.
O modelo é inspirado na atuação de mediadores estrangeiros, especialmente nas jurisdições de maior desenvolvimento da mediação (países de common law, como EUA, Reino Unido e Canadá).
Na pandemia, estruturei um modelo próprio e, a partir de então, tenho dado continuidade.
Editoria da NewGen News: Qual é a sua visão de mercado para a mediação no Brasil a longo prazo? Você recomendaria a carreira para qualquer tipo de profissional ou acredita que para atuar na área é preciso ter/desenvolver habilidades específicas?
Marcelo Perlman: Diz-se com frequência que a cultura do litígio dificulta o desenvolvimento da mediação no Brasil. Entretanto, eu não atribuiria as dificuldades apenas à cultura do litígio, mas à falta de conhecimento prático sobre a mediação. A sociedade norte-americana, por exemplo, em que a mediação é muito expressiva, pode ser considerada até mais litigiosa do que a brasileira.
O crescimento da mediação no Brasil mostra que são muitos os agentes envolvidos – advogados, juízes e outros agentes públicos, árbitros, professores, empresários, mediadores. Há, também, iniciativas normativas e legislativas em favor da mediação. É um esforço de múltiplas frentes. A qualidade dos debates sobre mediação está se desenvolvendo bastante. Ainda se trata de um mercado de nicho, mas está evoluindo.
Existe uma percepção crescente de que a mediação funciona, é um instrumento poderoso, com benefícios incríveis em um tempo de procedimento muito inferior ao de outros. Há a possibilidade de realizar acordos, e, mesmo que nos casos em que estes não venham a acontecer, obtém-se uma melhor compreensão dos casos e dos riscos.
À medida que isso é compreendido e as vantagens da mediação são observadas, as resistências se reduzem e os advogados começam a sugerir aos seus clientes o uso do procedimento. Vejo o mercado ainda em uma fase de teste de realidade, de tentativa e erro.
Na nossa prática de mediação, ainda há espaço para exploração. Não é um mercado saturado. O momento atual torna a mediação uma oportunidade concreta, mas ela ainda não está consolidada, o que é maravilhoso e ao mesmo tempo incerto.
Não há um caminho óbvio a ser traçado e percorrido. O mediador precisa ter autenticidade e encontrar seu próprio jeito de trabalhar. Ainda há muitas inseguranças e altos e baixos.
A carreira de mediador com dedicação exclusiva é mais recorrente em outros países onde a prática já está consolidada. No Brasil, ainda está em desenvolvimento e tem espaço. Pode haver desafios, especialmente para advogados de carreira consolidada, que podem ter dificuldades para assumir o papel unicamente de facilitadores. Todavia, o olhar atento às oportunidades é importante. É crucial se perguntar: “Por quais razões, práticas, qualidades sou reconhecido na minha vida profissional?” e, a partir disso, explorar as áreas do direito, setores de negócios, clientes que ofereçam a melhor chance para contratação como mediador.
O perfil do mediador varia muito. Frequento instituições de mediação nacionais e internacionais e vejo mediadores com expertises diversificadas.
Editoria da NewGen News: Como você vê a interação da mediação com a arbitragem? Considera que são complementares? Existe algum momento em que a mediação se encaixa melhor dentro do procedimento arbitral?
Marcelo Perlman: Certamente, são complementares. A adoção de métodos híbridos de resolução de disputas é inafastável na advocacia sofisticada de resolução de disputas. O advogado que sabe compor técnicas e estratégias heterocompositivas e autocompositivas, de modo a gerar informações sobre o caso, buscar fortalecimento de poder de barganha, gerir melhor os ânimos das partes no conflito, entre outros objetivos, entrega muito mais valor ao seu cliente. Para isso, há que se abandonar a meta única de vencer a disputa e adotar, com toda sua complexidade, o papel de resolver o problema.
Muito já se tem discutido sobre janelas de mediação no curso de arbitragens, com olhares distintos e variáveis sobre os momentos mais propícios. Minha percepção é que esses olhares devem se adaptar às particularidades de cada caso. Eventualmente, a mediação pode caber logo no começo do procedimento arbitral, antes de os ânimos acirrarem e o comportamento adversarial se enrijecer. Em outros casos, contatos em temas preliminares com o tribunal já ajudam a dar tom à arbitragem e prover informações relevantes às partes sobre o impacto que o prosseguimento da disputa poderá ter sobre seus negócios e suas vidas. Mais ainda, a produção de provas pode ser importante em casos específicos de maior fundamentação técnica e fática, como passo para mitigar assimetrias informacionais e oferecer elementos para análises de risco. Finalmente, por vezes, a mediação pode caber logo antes da sentença – e justamente como válvula de escape às partes em relação ao risco de sua prolação – ou até mesmo após a sentença, de modo a consensar formas para seu cumprimento.
Editoria da NewGen News : Nós sabemos que a mediação, assim como a arbitragem, pode ocorrer de maneira ad hoc ou institucional. Como você vê esses dois modelos na prática brasileira? Considera algum mais adequado dentro da nossa realidade?
Marcelo Perlman: A mediação ainda ocorre, na maior parte das vezes, no modelo ad hoc, e pode funcionar muito bem. Porém, também vejo muito valor na mediação institucional. O cuidado com a privacidade e a organização das agendas são de grande valor. Ter a disponibilidade e a flexibilidade de um espaço físico neutro é vantajoso. A mediação institucional traz uma certa chancela, sem tornar o procedimento excessivamente formal. O trabalho do case manager também contribui para o caso. Nos casos empresariais, sinto que o custo de administração não é de forma alguma proibitivo.
Editoria da NewGen News: Estamos vendo um movimento crescente pelo uso dos MASCs tanto no Poder Judiciário quanto na arbitragem. Você vê isso como um efeito da recente entrada em vigor da Convenção de Singapura no Brasil?
Marcelo Perlman: A Convenção de Singapura é importante como instrumento de propagação da mediação, colocando o procedimento como mainstream e trazendo segurança ao processo, além dos próprios temas endereçados pela Convenção. Na minha atuação como mediador, ainda não senti os efeitos práticos dessa Convenção. Entretanto, vejo com ótimos olhos e estou animado para ver o que está por vir.
Editoria da New Gen News: Uma última pergunta que fazemos sempre para os nossos convidados é: o que vocês têm observado nos bons profissionais, na hora de contratá-los, ao conhecer uma pessoa e ter a percepção de que ela vai trilhar um caminho brilhante no futuro?
Marcelo Perlman: Observo que jovens com interesse nas áreas de arbitragem e mediação participam de grupos de estudos e trabalho, de competições simuladas, e dedicam-se muito a cursos, treinamentos e estudos. Hoje há uma infinidade de materiais, webinars e muitos outros recursos à disposição.
Além disso, é importante falar com pessoas, participar de congressos, procurar trabalhar em casos que possam ser resolvidos consensualmente e explorar a própria voz, estilo, jeito de trabalhar, interesses. Encontrar ambientes e tipos de trabalho que energizem.
Quando o profissional expressa a sua verdade, voz, autenticidade, a potência se revela. O importante é se deixar inspirar de acordo com a verdade que move cada um.
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As palavras e insights de Marcelo sobre a construção de uma carreira em resolução alternativa de disputas no Brasil certamente serão valiosos para todos os interessados nesse campo. O NewGen agradece sinceramente pela generosidade em compartilhar sua trajetória e suas opiniões, contribuindo assim para o desenvolvimento e aprimoramento da nova geração de mediadores de nosso país.