Construindo janelas de mediação

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Maúra Guerra Polidoro

  Bacharela em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Case manager no CAM-CCBC

 

Em 16 de novembro de 2020, foi realizado, durante o IBA 2020 – Virtually Together Conference, o painel Mediation of International Commercial Disputes: Pitfalls, Risks and Opportunities. Os expositores foram Chiann Bao (Arbitration Chambers), Hansjörg Schwarz (TrojaPartner) e Karl Hennessee (Airbus).

Na ocasião, foi levantada a questão “quo vadis?” no que diz respeito à aplicação da Convenção de Singapura[1].

Quo vadis é uma expressão latina que significa “para onde vais?”. A expressão refere-se a um relato presente nos Atos Apócrifos de Pedro. Ao fugir de uma provável crucificação em Roma, São Pedro encontra Jesus ressuscitado e pergunta: quo vadis?

Em outras palavras, a discussão tratou sobre o futuro da mediação na era pós Convenção de Singapura, a qual entrou em vigor em 12 de setembro de 2020. Neste sentido, os painelistas debateram os riscos e as oportunidades de sua utilização pelos profissionais da área.

O palestrante Karl Hennessee frisou a importância dos jurídicos internos para a difusão da mediação. Ele ressaltou a necessidade de “evangelizar” a respeito deste método de solução de controvérsias, fazendo referência ao texto do apóstolo mencionado acima.

Contudo, após alguns anos de desenvolvimento da mediação[2], talvez exista outra opção mais eficaz do que a mera evangelização sobre o método ou a inserção de cláusulas escalonadas nos contratos. Esta opção seria a janela de mediação ou mediation window.

A mediation window é uma oportunidade procedimental previamente estabelecida na qual as partes estudam a possibilidade de mediar seu conflito.

O segundo painel do 4º Congresso Online Internacional de Mediação Empresarial do GEMEP CBAr, realizado durante a São Paulo Arbitration Week 2020, tratou sobre o tema.

A primeira palestrante, Dra. Edna Sussman (árbitra e mediadora independente), destacou que a mediation window é uma oportunidade na qual as partes param e pensam sobre a possibilidade da realizar uma mediação durante o procedimento arbitragem. Esta previsão procedimental teria a função de reduzir o estigma para a parte que teria a intenção de propor uma mediação (o que pode ser visto por muitos como sinal de fraqueza).

Sussman mencionou que não existe um momento específico do cronograma no qual deve ser incluída a mediation window, pois cada caso é particular. De toda sorte, ela acredita que o papel do árbitro está evoluindo e que ele pode facilitar um acordo sem perder seu papel de julgador[3].

Neste mesmo painel, o Dr. Diego Faleck (Faleck & Associados) destacou que, ao escolher um método alternativo de resolução de disputas, as partes devem estar cientes que é necessária a adoção de uma mentalidade diferente da mentalidade adversarial que impera nos litígios judiciais e, até mesmo, nas arbitragens[4]. Na mediação, deve-se colocar de lado o egocentrismo e o medo de perder, buscando um diálogo aberto.

Faleck adicionou, ademais, que o BATNA[5] é dinâmico e uma oportunidade de negociação pode surgir a partir de fatores externos (como, por exemplo, o fluxo de caixa da empresa, eventuais alterações na estrutura societária, informações divulgadas na mídia, dentre outras). Muitas vezes a estratégia inicial pode estar comprometida e precisará ser alterada. Tal circunstância pode abrir espaço para uma mediação.

O Dr. César Rossi (Demarest Advogados), terceiro palestrante do painel, mencionou que nem todo advogado está treinado para utilizar os métodos alternativos de resolução de disputas[6]. Além disso, nem todo cliente está pronto para encontrar uma solução autocompositiva para o litígio logo no princípio.

Depois de apresentadas as provas, os clientes passam a ter uma visão melhor do caso e isso acaba por fomentar a possibilidade de acordo. Desta forma, Rossi explicou que as cláusulas escalonadas não têm se mostrado tão eficientes na prática, vez que o caso pode não estar maduro para um acordo nesse momento inicial.

De fato, a grande maioria dos tribunais arbitrais indagam as partes sobre a possibilidade de acordo, nos termos do artigo 21, §4º da Lei de Arbitragem. Contudo, na experiência da autora enquanto case manager do CAM-CCBC, a previsão de mediation windows no termo de arbitragem ou em outro documento do procedimento arbitral nunca foi vista.

Não obstante isso, três das diversas mediações conduzidas pela autora nos últimos dois anos derivaram de procedimentos arbitrais suspensos.

Em um dos casos, o procedimento arbitral foi suspenso logo antes da audiência de instrução; noutro a suspensão se deu ainda na fase de constituição do tribunal arbitral, vez que as partes estavam com dificuldades para encontrar árbitros sem impedimentos; e o terceiro foi suspenso após a apresentação de laudo pelo perito engenheiro indicado pelo tribunal arbitral. Dos exemplos citados, dois resultaram em acordos e o terceiro ainda está em curso.

Existe, ainda, um quarto caso interessante no qual a arbitragem encerrou com sentença final e as partes agora estão negociando, via mediação, o cumprimento de referida decisão.

As possibilidades quanto ao momento de utilização da mediação são diversas. Os exemplos acima demonstram que procedimentos híbridos[7], apesar de ainda serem poucos, podem resultar em maior benefício aos clientes que acabam por resolver o seu litígio de forma autocompositiva mesmo após instaurada a arbitragem.

O CAM-CCBC, percebendo essa necessidade do mercado, editou a Resolução Administrativa nº 36/2019[8], que trata sobre a concessão de desconto na taxa de administração das mediações[9]. Uma das hipóteses de concessão de desconto é justamente quando as partes solicitam a suspensão do procedimento arbitral para dar início a uma mediação, ou seja, no caso das mediation windows.

Desta forma, construir janelas de mediação parece ser uma ótima forma para que a mediação continue se desenvolvendo, tanto no cenário nacional como internacional, e para que a arbitragem não vire definitivamente “the new litigation” nos termos descritos por Thomas J. Stipanowich[10].

 

 

 

[1] Disponível em: <https://www.singaporeconvention.org/>. Acesso em: 08.02.2021.

[2] “A second, concurrent phenomenon is the explosion of mediation and other competing dispute resolution alternatives to ‘extended adjudication’. Just as alternative dispute resolution (ADR) has played a prominent role in changing the landscape of civil litigation, the use of mediation and other ‘thin-slicing’ approaches is dramatically altering the environment of private dispute resolution”. Stipanowich, Thomas J. Arbitration: The “New Litigation”. Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=1297526>. Acesso em: 06.02.2021.

[3] “This phenomenon of arbitrators taking on a mediation role is not new. It has a long tradition in the People’s Republic of China (PRC) and Taiwanese arbitration, and is also practised by arbitrators from certain civil law jurisdictions such as Germany – a reflection of the German judicial tradition of settlement.6 However the practice is not generally considered to be part of a western arbitral tradition, especially in common law jurisdictions ALEXANDER, Nadja. Opening the Mediation Window in the Arbitration House. Canadian Arbitration and Mediation Journal. 20, (2), 37-43. Research Collection School Of Law. Disponível em: <https://ink.library.smu.edu.sg/sol_research/1867>. Acesso em: 06.02.2021

[4] “Once promoted as a means of avoiding the contention, cost, and expense of court trial, binding arbitration is now described in similar terms – ‘judicialized’, formal, costly, time-consuming, and subject to hardball advocacy”. Stipanowich, Thomas J. Arbitration: The “New Litigation”. Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=1297526>. Acesso em: 06.02.2021.

[5] BATNA é a sigla para “Best Alternative to a Negotiated Agreement”.

[6] “A recent study, based on 50 focus groups of new lawyers and supervisors of new lawyers, found that new lawyers are ‘woefully unprepared’ to work with clients. […] Many clients notice these deficiencies even in experienced lawyers. Professor Clark Cunningham summarized studies showing that many clients – including individuals and large organizations – are extremely dissatisfied with their lawyers’ communication with them. He wrote, ‘Many lawyers equate client satisfaction with the outcome achieved; however, studies over the past three decades in three different countries [have] produced impressive evidence that clients evaluate their lawyers’ competence more in terms of the process experienced by them in the representation than the outcome’”. LANDE, John. Lawyers Are From Mars, Clients Are From Venus – And Mediators Can Help Communicate in Space. Disponível em: <http://mediationblog.kluwerarbitration.com/2021/02/06/lawyers-are-from-mars-clients-are-from-venus-and-mediators-can-help-communicate-in-space/> Acesso em: 08.02.2021.

[7] “The importance of planning for hybrid processes in a manner that takes into account issues relating to procedural fairness, impartiality and neutrality cannot be over-emphasised”. ALEXANDER, Nadja. Opening the Mediation Window in the Arbitration House. Canadian Arbitration and Mediation Journal. 20, (2), 37-43. Research Collection School Of Law. Disponível em: <https://ink.library.smu.edu.sg/sol_research/1867>. Acesso em: 06.02.2021.

[8] Disponível em: https://ccbc.org.br/cam-ccbc-centro-arbitragem-mediacao/resolucao-de-disputas/resolucoes-administrativas/ra-36-2019/ Acesso em: 06.02.2021.

[9] A Resolução Administrativa prevê as seguintes hipóteses de desconto: Artigo 1º – Nas hipóteses abaixo, será concedido às partes desconto no valor devido a título de Taxa Administração do procedimento de mediação:

-100% de desconto quando as partes, após procedimento de mediação, instaurarem procedimento arbitral perante o CAM-CCBC; ou

-50% de desconto quando as partes solicitarem, durante o trâmite de procedimento arbitral, a sua suspensão para dar início a um procedimento de mediação.

[10] Stipanowich, Thomas J. Arbitration: The “New Litigation”. Disponível em: http://ssrn.com/abstract=1297526. Acesso em: 06.02.2021.

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