Dispute boards

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Dispute boards: o método alternativo de resolução de conflitos em ascensão no Brasil

Por: Julia Pereira Gentil*

A morosidade do processo judicial brasileiro, atrelada ao constante crescimento do número de processos[1] e à queda da “confiabilidade” do Poder Judiciário[2] e das decisões por ele proferidas[3] aviventaram a implementação de métodos alternativos, ou adequados, de resolução de conflitos no Brasil[4].

Nesse cenário, significa dizer que o Poder Judiciário perdeu “seu monopólio em matéria de resolução dos conflitos”[5], cedendo espaço para outros métodos igualmente destinados à solução de litígios.

Dentre esses métodos, por sua vez, destacam-se os dispute boards, que consistem em uma “junta de profissionais capacitados e imparciais formada, em geral no início de um contrato para acompanhar seu progresso e resolver disputas que, eventualmente, venham a surgir ao longo de sua execução[6].

A este respeito, oportuna também a lição de Antonio Fernando Marcondes, segundo a qual dispute board é “um comitê formado por profissionais experientes e imparciais, contratado antes do início de um projeto de construção para acompanhar o progresso da execução da obra, encorajando as partes a evitar disputas e assistindo-as na solução daquelas que não puderem ser evitadas, visando à sua solução definitiva[7].

Ainda, importa salientar a definição atribuída pela Câmara de Comércio Internacional (ICC) ao dispute board, segundo a qual esse corresponde a um organismo independente “composto por um ou três membros, geralmente estabelecido mediante a assinatura ou início da execução de médio ou longo prazo, para ajudar as partes a evitar ou superar quaisquer divergências ou litígios que possam surgir durante a execução do contrato[8]. Nesse contexto, destaca-se também as três modalidades distintas de dispute board previstas no Regulamento da ICC sobre dispute boards: (i) o dispute review boards (DRBs), cuja atribuição consiste em emitir recomendações às partes contratantes, para o fim de tão somente aconselhá-las[9], não possuindo, destarte, caráter vinculante; (ii) o dispute adjucation boards (DABs), responsável por efetivamente decidir conflitos surgidos durante a execução do contrato e cujas decisões são obrigatórias para as partes; e, finalmente, (iii) o combined dispute boards (CDBs), capaz de exercer as duas atribuições, de acordo com a situação[10].

Sendo assim, é seguro afirmar que o grande diferencial dos dispute boards reside no fato de que, além de haver um acompanhamento em tempo real da execução do contrato, aludido acompanhamento é feito por profissionais especializados na matéria objeto do contrato[11], o que proporciona verdadeira “atuação preventiva”, permitindo que potenciais controvérsias sejam precocemente identificadas, trabalhadas e solucionadas, antes que um litígio se forme[12].

Tais vantagens, por sua vez, têm permitido a difusão cada vez maior do dispute board no Brasil, tanto na esfera legislativa quanto jurisprudencial.

Como precursora dessa tendência valorativa dos dispute boards no território brasileiro tem-se a Lei Municipal nº 16.873, promulgada em 22.02.2018, na Cidade de São Paulo, que regulou pela primeira vez, em âmbito municipal, a utilização dos Comitês de Prevenção e Solução de Disputas (como foram chamados os dispute boards no referido texto legal) nos “contratos continuados da Administração Direta e Indireta do Município de São Paulo[13].

Na sequência, tem-se o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em 30.07.2018, o qual, ao ser acionado para o fim de rever decisão proferida pelo Conselho de Resolução de Disputas (como foi traduzida a expressão dispute board) constituído no âmbito do contrato de implementação da Linha 4 – Amarela do Metrô de São Paulo, decidiu por manter referida decisão, sob o fundamento de que essa não mereceria reforma uma vez que teria sido uma “decisão fundamentada” e “correta”, que teria abordado “minuciosamente” as questões controvertidas do caso concreto[14]. In verbis:

Presentes tais requisitos, nada obsta o deferimento da tutela antecipatória, sem que isso represente desprestígio ao relevante instituto do ‘dispute board’; mas a interferência judicial deve dar-se com moderação e em casos que fujam à normalidade, para que a resolução amigável não ser torne uma fase sem sentido ou eficácia ou que a vinda a juízo não represente mais que inconformismo com uma decisão fundamentada e, ao seu modo, correta. O edital e o contrato devem ser respeitados, salvo específico motivo aqui não demonstrado.

4. Tutela de urgência. Probabilidade do direito. Perigo de dano. O juiz entreviu indícios objetivos de que a equipe técnica do agravante, bem como a empresa por ele contratada, não teria seguido o procedimento previsto no contrato administrativo quanto à identificação da contaminação do solo e metodologia de descontaminação (coprocessamento, mais dispendioso, ao invés de dessorção térmica), gerando dúvida quanto à quantidade de solo contaminado e ao custo dos serviços prestados. A decisão do CRD (fls. 714/759, aqui fls. 540/585), no entanto, aborda minuciosamente as questões que preocuparam o juiz, notadamente a (i) falha e demora na comunicação do Metrô sobre a contaminação do solo, sem nenhuma repercussão na solução do problema; (ii) suposta mistura do solo contaminado com solo limpo, alegada pelo Metrô apenas meses após a conclusão dos trabalhos de deposição dos resíduos; e (iii) opção pelo sistema de coprocessamento em detrimento da dessorção térmica, isto em razão da escassez de empresas no mercado capazes de executar o serviço e sem insurgência do Metrô até 16-5-2017, quando finalmente manifestou oposição (aqui fls. 829/832).” (sem ênfase no original)

Seguindo o posicionamento do Estado de São Paulo, destaca-se o Município de Belo Horizonte, que, em 19.06.2020, promulgou a Lei Municipal nº 11.241, também regulamentando “a utilização de Comitê de Prevenção e Solução de Disputas para prevenir e para solucionar conflito relativo a direito patrimonial presente em contrato administrativo de execução continuada” do Município[15].

Por fim, escancarando a aceitação do dispute board como método alternativo de resolução de conflitos no Brasil, em 10.06.2021, o instituto passou a ser regulamentado pela primeira vez em âmbito federal, por meio do artigo 151, caput, da Lei nº 14.133/21 (nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos)[16]:

“Art. 151. Nas contratações regidas por esta Lei, poderão ser utilizados meios alternativos de prevenção e resolução de controvérsias, notadamente a conciliação, a mediação, o comitê de resolução de disputas e a arbitragem.”

Desse modo, a crescente disseminação do dispute board em território nacional é facilmente perceptível, na medida em que esse, já aceito por parcela da jurisprudência e por algumas legislações municipais, agora foi regulamentado no âmbito legislativo federal. Por sua vez, acredita-se que esses fatores, além de demonstrarem o fortalecimento do instituto, revelam forte tendência de que esse seja cada vez mais utilizado no cenário da resolução de conflitos no Brasil, o que, até o momento, só apresentou vantagens.

——–

*Advogada associada de Madeira, Valentim e Gallardo Advogados, com atuação na área de Arbitragem e Contencioso Cível. Graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Pós-Graduada em Direito Processual Civil também pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

[1] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. Volume único. 8. ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 304 e 306.

[2] FARIA, José Eduardo. O Poder Judiciário no Brasil: paradoxos, desafios e alternativas. Brasília: Conselho da Justiça Federal, 1995, p. 10.

[3] RAVAGNANI, Giovani dos Santos; NAKAMURA, Bruna Laís Sousa Tourinho; LONGA, Daniel Pinheiro. A utilização de dispute boards como método adequado para a resolução de conflitos no Brasil. Revista de Processo, São Paulo, v. 300/2020, p. 343-362, fev/2020.

[4] MARTINS, Pedro Antônio Batista. O poder judiciário e a arbitragem. Quatro anos da Lei 9.307/96 (4.ª e última parte). Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, v. 13/2001, p. 350-374, jul-set/2001.

[5] FARIA, José Eduardo. O Poder Judiciário no Brasil: paradoxos, desafios e alternativas. Brasília: Conselho da Justiça Federal, 1995, p. 10.

[6] VAZ, Gilberto José. Breves Considerações sobre os Dispute Boards no direito brasileiro. Revista de Arbitragem e Mediação, São Paulo, vol. 10, p. 165, jul-set/2006.

[7] MARCONDES, Antonio Fernando Mello. Os Dispute Boards e os contratos de construção in Construção Civil e Direito. In: BAPTISTA, Luiz Olavo; PRADO, Maurício Almeida. Construção civil e direito. São Paulo: Lex, 2011. p. 123, apud VAZ, Gilberto José. LIMA, Renata Faria Silva. NOVAIS, Roberto Cançado Vasconcelos. NICOLI, Pedro Augusto Gravatá. Os dispute boards como método alternativo de resolução de disputas na indústria da construção. Revista de Arbitragem e Mediação, São Paulo, v. 40/2014, p. 325-333, jan-mar/2014.

[8] Disponível em: [http://iccbrasil.com/resolucao-de-litigios/dispute-boards/]. Acesso em: 07.06.2022.

[9] RAVAGNANI, Giovani dos Santos; NAKAMURA, Bruna Laís Sousa Tourinho; LONGA, Daniel Pinheiro. A utilização de dispute boards como método adequado para a resolução de conflitos no Brasil. Revista de Processo, São Paulo, v. 300/2020, p. 343-362, fev/2020.

[10] Disponível em: [https://iccwbo.org/dispute-resolution-services/dispute-boards/rules/#article_1]. Acesso em: 07.06.2022.

[11] WALD, Arnoldo. A arbitragem contratual e os dispute boards. Revista de Arbitragem e Mediação, São Paulo, v. 6/2005, p. 9-24, jul-set/2005.

[12] VAZ, Gilberto José. LIMA, Renata Faria Silva. NOVAIS, Roberto Cançado Vasconcelos. NICOLI, Pedro Augusto Gravatá. Os dispute boards como método alternativo de resolução de disputas na indústria da construção. Revista de Arbitragem e Mediação, São Paulo, v. 40/2014, p. 325-333, jan-mar/2014.

[13] Disponível em: [http://documentacao.saopaulo.sp.leg.br/iah/fulltext/leis/L16873.pdf]. Acesso em 07.06.2022.

[14] TJ-SP – Agravo de Instrumento nº 2096127-39.2018.8.26.0000. Relator Torres de Carvalho. 10ª Câmara de Direito Público. Julgado em 30.07.2018.

[15] Disponível em: [http://portal6.pbh.gov.br/dom/iniciaEdicao.do?method=DetalheArtigo&pk=1230063]. Acesso em 07.06.2022.

[16] Disponível em: [http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14133.htm]. Acesso em 07.06.2022.

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