Coluna dos Editores

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A Coluna dos Editores é um espaço dedicado ao compartilhamento de experiências e insights de notáveis profissionais da área de resolução de disputas.

Para a Edição #7 da NewGen News, convidamos a Professora Vera Cecília Monteiro de Barros, Mestre e Doutoranda em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Faculdade de São Paulo de e sócia de Selma Lemes Advogados, que, em uma conversa descontraída, compartilhou conosco um pouco de sua trajetória profissional, deu dicas para a construção de uma carreira na área de alternative dispute resolution no Brasil, e deu sua opinião sobre o desenvolvimento da mediação no Brasil.

Editoria da NewGen News: Para começar a entrevista, gostaríamos de entender como sua carreira em arbitragem e mediação começou. 

Professora Vera Cecília Monteiro de Barros: Essa é uma história engraçada. Eu me formei em 1994, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, à época, queria ser juíza. Queria trabalhar um pouco depois de formada, mas depois pretendia estudar para a magistratura.

Estagiei em dois escritórios pequenos; depois, quase no último ano de graduação, fui para um escritório de médio porte, me formei lá e fui efetivada. Depois de começar a ganhar dinheiro, ficou difícil parar de trabalhar para continuar estudando. Por isso, continuei trabalhando nesse escritório até 2000 na área de contencioso cível.

Em 2000, eu comecei a trabalhar no Mattos Filho. Continuei na área de contencioso cível por oito anos e foi lá em que tive o meu primeiro contato com arbitragem.

Em 2003, fomos contratados para defender os interesses de um cliente e o caso envolvia uma cláusula compromissória vazia. Apesar de a Lei de Arbitragem brasileira ser de 1996, naquela época não tínhamos nenhum caso relacionado à arbitragem e, também, não tínhamos a menor ideia do que era a ação do art. 7[1] da referida Lei.

Começamos a estudar o tema e, por sorte, quem levou o cliente para o Mattos Filho foi a Professora Selma Lemes, que também nos ajudou na parte de consultoria de arbitragem. Foi nessa ocasião em que eu tive a honra de conhecer a Professora Selma.

Essa experiência foi incrível; estudamos para escrever a inicial da ação do art. 7º e, quando fomos despachar com a Juíza, dissemos: “Excelência, temos aqui uma ação fundada no art. 7”. Ela nos olhou e disse: “Não tenho ideia do que vocês estão falando, mas vou estudar”. No fim, ela estudou o caso, deu uma sentença e a arbitragem começou um ano depois, em 2005.

A experiência foi incrível. Me lembro de pensar que um dia trabalharia com ela. A vida e os anjos conspiraram e, depois de alguns anos, em 2008, comecei a ser assistente dela na Fundação Getúlio Vargas. Quando surgiu uma vaga no escritório dela, começamos a trabalhar juntas e estou aqui até hoje. No escritório, tive a hance de trabalhar em mais de duzentas arbitragens: como secretária, como advogada e, também, nos últimos anos, como árbitra.

Quando entrei no escritório, a arbitragem ainda estava começando, tínhamos poucos casos aqui no escritório e foi legal ver a evolução do instituto.

Comecei os meus estudos de mestrado e doutorado em 2010 e, mais ou menos em 2012, ligaram para o escritório para convidar a Profa. Selma para dar aula na Fundação Armando Álvares Penteado. As aulas começariam uma ou duas semanas depois.

A Selma disse que não podia, porque dava aula na Fundação Getúlio Vargas, e me indicou. Fui à FAAP e me contrataram na hora. Eu tinha certeza de que daria aula sobre arbitragem. Só que, quando eu peguei a grade da disciplina para começar a montar as aulas, o tema era “técnicas de negociação, mediação e arbitragem”.

E aí comecei a pensar como faria para dar essas aulas, porque não conhecia negociação, e muito menos mediação. A mediação não me agradava muito, inclusive, no curso da Selma, eu costumava a sugerir que a aula sobre o instituto fosse retirada. 

Só que naquele momento eu precisei começar a estudar, porque não podia dar aula de um assunto sem entender. A partir daí, fiz vários cursos de negociação e de mediação e passei a me interessar pelo tema.

Eu não posso dizer que tenho uma carreira em mediação; o meu interesse é mais acadêmico do que profissional. Porém, tenho atuado como mediadora também em alguns casos e assumi a Presidência de Mediação do CAM-CCBC.

Essas experiências foram engrandecedoras. A mediação caiu de paraquedas na minha vida e a arbitragem foi coisa do destino, porque eu vejo que hoje me tornei uma juíza, diferente do que eu planejava na minha época de recém-formada, mas até melhor, porque tenho casos muito mais interessantes. Então, são coisas da vida, que me fazem crer que as coisas acontecem na hora que têm que acontecer.

 

Editoria da NewGen News:  Professora Vera, a senhora tem alguma preferência de atuação nos procedimentos arbitrais e de mediação?

Professora Vera Cecília Monteiro de Barros: Hoje, o que eu amo na minha carreira é justamente a possibilidade da troca de chapéu. Eu acho muito legal atuar como secretária nos casos da Selma, que são bem relevantes e me fazem aprender bastante.

Gosto muito de atuar como advogada em arbitragem, por apreciar esse papel do advogado enquanto estrategista, ao defender os interesses do cliente com unhas e dentes. Além disso, também amo atuar como árbitra e, mais recentemente, tenho gostado dessas experiências com a mediação.

Os casos que eu tive como mediadora são muito diferentes de tudo. Como eu sempre fui advogada de contencioso, meu dia a dia sempre foi traçar estratégias, defender os interesses dos clientes e, como árbitra, decidir e julgar os conflitos.

Como mediadora, o papel é muito diferente, porque me sinto como uma facilitadora no processo de tomada de decisão. Como mediadora, preciso esquecer o meu papel de advogada e de árbitra, e parar de olhar quem tem razão e quem não tem, até porque o mediador tem um olhar neutro, ele não decide nada, então acho bem desafiador assumir esse papel.

Por outro lado, enquanto árbitra, eu estudo o caso; leio tudo com cautela. Quando vamos fazer uma sentença, às vezes ficamos dois ou três meses mergulhadas no caso, então, é algo complexo, mas que temos tempo para refletir.

O que acho interessante na mediação é a agilidade com que se dá o procedimento. O mediador tem que ter jogo de cintura, ser muito conectado com o processo e com as partes, ter uma sensibilidade gigante para fazer a pergunta certa na hora certa e saber conduzir o procedimento para evitar torná-lo uma sessão de terapia.

Respondendo essa pergunta, acho que, dentre todos esses papéis, o que eu mais gosto é a atuação como árbitra mesmo. Mas também gosto dessa possibilidade de poder mudar e transitar entre todas essas opções.

Editoria da NewGen News: A senhora tem algum conselho para dar a alguém que trabalha como assistente de árbitro?

Professora Vera Cecília Monteiro de Barros:

Eu comecei a minha carreira em arbitragem sendo assistente de árbitro, e acho que é um papel maravilhoso.  Até porque, é preciso beber na fonte para tirar o máximo proveito daquilo.

É importante ler bem o caso, analisar todas as peças, ler todas as decisões, acho que quanto mais lemos, mais vamos aprendendo.

O que eu vejo dos meus alunos lá na FAAP, é essa dificuldade do jovem hoje de construir um raciocínio lógico. E não é nem só do jovem, mesmo advogados mais velhos muitas vezes não apresentam uma boa escrita, com início, meio e fim, e que seja concisa.

Essa leitura nos ajuda a construir um raciocínio estruturado e lógico. Ainda mais que uma boa escrita hoje vale ouro, e vem da leitura. Quanto mais se lê, melhor se escreve.  É preciso também ter dedicação, afinco, responsabilidade e, principalmente, ética para seguir em frente.

Também acho que precisamos focar na carreira aproveitando as atividades paralelas, como viajar, curtir a família, os amigos, beber bons vinhos… Precisamos ter em mente que a nossa carreira se constrói junto com as outras coisas. Eu, por exemplo, tenho excelentes ideias para lidar com os casos em momentos de lazer. A Selma, inclusive, sempre fala que a vida é boa quando equilibrada.

O conselho maior que eu tenho é: não tenha pressa. As coisas acontecem na hora que tem que acontecer.

Como eu disse, o início da minha carreira em arbitragem aconteceu na hora que tinha que acontecer. E, pensando especificamente na atuação como árbitra, são os pares que nos indicam. Então, é preciso ter conexões, networking, seriedade, responsabilidade, fazer um bom trabalho, porque, com isso, as indicações vêm, principalmente levando-se em consideração os bons casos em que atuamos.

Atuar em arbitragens é muita responsabilidade, mas o conselho é esse: tenha calma, dê o seu melhor, que uma hora vai acontecer. Mas esteja muito atenta, porque é muita responsabilidade.

Editoria da NewGen News: Gostaríamos de entender um pouco sobre as janelas de mediação que, às vezes, acontecem dentro dos procedimentos de arbitragem. Queríamos saber como a senhora vê a possibilidade de comportar, na mesma disputa, dois tipos diferentes de resolução.

Professora Vera Cecília Monteiro de Barros: Quando eu comecei a estudar mediação, me perguntavam: “O que você acha que precisa ter para que a mediação decole?”, eu sempre pensava que a resposta estava nas cláusulas escalonadas.

Depois, quando começamos a fazer pesquisas junto às câmaras sobre como as mediações começavam, quase nenhuma tinha iniciado com a cláusula de mediação, e eu achava isso estranho.

Hoje eu mudei completamente a minha opinião. Uma vez, um cliente do escritório queria entrar com uma arbitragem e achávamos uma boa opção buscar a solução em uma mediação. Quando perguntamos se ele já havia pensado nessa opção, ele não recebeu bem e perguntou se eu achava que ele não tinha razão.

Depois disso, entendi que, quando o cliente está com “sangue nos olhos,” e o advogado propõe uma mediação, ele vai procurar outro que pegue o caso com unhas e dentes. A parte muitas vezes não está pronta para a mediação, e vê a cláusula escalonada como um empecilho para brigar.

Quando o cliente está no calor da emoção, ele vai precisar iniciar a arbitragem, colocar os argumentos no papel, apresentar a prova, ver os argumentos da outra parte. Com o passar da fase postulatória, muitas vezes surge uma janela de composição e mediação.

Hoje em dia, eu tenho visto bastante arbitragens sendo suspensas para uma tentativa de composição. Então eu acho que as câmaras deveriam começar a pensar em algumas alternativas para estimular essas janelas de composição em etapas chaves na arbitragem.

Por exemplo: acabada a fase postulatória, verificar com as partes a possibilidade de uma possível conciliação ou mediação. Até porque, se está no cronograma, aquilo faz parte do procedimento, de modo que ninguém pareça fraco. Um outro momento possível, seria que essa verificação fosse realizada antes de uma prova pericial custosa.

Na prática, percebo que os advogados estão começando a aprender a negociar e ver a importância dessa composição durante o procedimento.

Editoria da NewGen News: O que a senhora acha importante para um estudante que quer se tornar um mediador de disputas comerciais? Sentimos que a mediação aqui no Brasil é muito centrada em casos de família, e nos parece que, quando um mediador de família entra em uma disputa comercial, a mudança é muito grande, em razão de os casos de família mexerem com questões muito sensíveis.

Professora Vera Cecília Monteiro de Barros: Primeiro, estudar muito o instituto: mediação, técnicas de negociação, técnicas de comunicação e um estudo do fator humano, porque mesmo a mediação empresarial envolve pessoas por trás da empresa.

Então, precisamos saber ler muito bem as pessoas. Estudar psicologia e desenvolver o foco. Hoje, perdemos o foco muito rápido, por conta das inúmeras distrações. Técnicas de meditação, por exemplo, são muito importantes para nos manter focados e com a escuta ativa, porque hoje se pergunta e nem se quer saber a resposta, já ficamos pensando em outros compromissos e questões do dia a dia.

O mediador não pode perder nada que está na mesa. Tem que estar 100% presente e tem que ter uma sensibilidade gigantesca para agir no momento certo, fazer a pergunta certa no momento certo, e, para isso, ele precisa estar lá, entregue, e não perder nenhuma palavrinha.

O mediador precisa ouvir além do que está sendo dito. Ver, sentir as manifestações corporais das partes, porque tudo isso é importante.

E a mediação, em que pese ser um procedimento flexível, é um procedimento muito estruturado. Por isso que eu acho que é importante esse conhecimento do instituto. Senão a mediação se perde e vira terapia. O mediador tem que estar visando o objetivo de cada parte, compondo o caminhar das etapas e sempre buscando alguma coisa.

Então, se eu tivesse que indicar alguma competência para quem quer atuar seria a escuta ativa, o que é muito difícil. Porque é necessário dar a melhor atenção que se pode. Não tem melhor presente a se dar para alguém do que ouvir essa pessoa. As pessoas gostam de ser ouvidas, e escutando conseguimos mudar as relações.

Para isso, é preciso foco, atenção, conhecimento, concentração. Por isso mesmo eu considero a mediação desafiadora. O mediador pode ser um elemento essencial da solução de um conflito. Para isso, ele precisa conhecer a técnica, ser habilidoso, ter sensibilidade para intervir na hora certa.

Editoria da NewGen News: Uma última pergunta que fazemos sempre para os nossos convidados é: o que os senhores têm observado nos bons profissionais, na hora de contratá-los, ao olhar para uma pessoa e ter feeling de que ela vai trilhar um caminho brilhante no futuro?

Professora Vera Cecília Monteiro de Barros: Se eu tivesse que dizer em uma palavra é: comprometimento. Eu acho que comprometimento é tudo e hoje em dia percebo que as pessoas são pouco comprometidas com as coisas. Eu, por exemplo, se falo que eu vou em algum lugar, eu só não vou se acontecer algo muito relevante. E no trabalho a mesma coisa.

Então, acho que dedicação e comprometimento, porque o resto vem. Se você está comprometido com alguma coisa, mesmo que no começo de carreira ainda haja muita coisa que aprender, a boa vontade e o comprometimento conduzem. O resto, vem com o estudo, com a leitura. É o que eu falei para vocês: bebam na fonte. Aproveitem o acesso a essas coisas. É lendo os casos, as arbitragens, que aprendemos tudo. Tudo parte do compromisso e da dedicação.

[1] Art. 7º Existindo cláusula compromissória e havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, poderá a parte interessada requerer a citação da outra parte para comparecer em juízo a fim de lavrar-se o compromisso, designando o juiz audiência especial para tal fim.

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