Os benefícios da inclusão de Cláusula Compromissória em contratos de energia eólica

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Os benefícios da inclusão de Cláusula Compromissória em contratos de energia eólica

Maria Eduarda Clezar Hardessem[1]

A arbitragem consiste no julgamento do litígio por um terceiro imparcial, escolhido pelas partes. É uma espécie de método de resolução de conflitos heterocompositivo e possui como algumas de suas características principais a celeridade e a especialidade.

O mercado de energia eólica é complexo, envolve investimentos robustos e os projetos de longa duração. A demanda por energias renováveis cresce em todo o mundo, o que reforça a relevância do estudo do tema, uma vez que os impactos dos referidos projetos são amplos, envolvendo diversos agentes políticos e econômicos. Ante o exposto, busca-se entender quais os potenciais benefícios da inserção da cláusula arbitral em contratos de energia eólica.

A arbitragem é um instituto muito utilizado ao redor do mundo e a globalização potencializou sua relevância. Do ponto de vista jurídico, em se tratando de relações entre nações diversas, há vários fatores que devem ser analisados. Inicialmente, qual será a jurisdição competente para julgar o caso – se o contrato não dispuser explicitamente sobre este tema, poderá ser objeto de ampla discussão. Superada a questão sobre competência, há de se considerar o tempo e o investimento de um eventual o processo judicial, passando por todas as etapas burocráticas de cada sistema de justiça.

Em contraponto, ao analisamos a possibilidade da inclusão de cláusula compromissória no contrato, observa-se a possibilidade de atenuar estes impactos negativos dos procedimentos judiciais. A existência de tal cláusula resulta em economia para as partes, uma vez que resta somente definir os trâmites para iniciar o procedimento arbitral, evitando discussões sobre competência e jurisdição.

No que diz respeito à energia eólica, é impreterível destacar sua relevância a nível global. Não somente pela constante e crescente demanda do consumo de energia, mas também pela análise dos impactos de sua geração. As constantes mudanças climáticas reforçam a urgência e relevância do assunto.  Segundo publicação da Assessoria Especial de Comunicação Social do Ministério de Minas e Energia[2] do governo federal, sobre transição energética:

“Atualmente, quando falamos de transição energética, estamos destacando a mudança de uma fonte de energia para outra de forma mais sustentável, ou seja, uma matriz que reduza as emissões de gases de efeito estufa. Além disso, a transição energética tem sido apontada como um dos grandes pilares para o crescimento econômico e social dos países, de forma justa e inclusiva.”

A energia eólica pode ser uma aliada na proteção do meio ambiente, como alternativa para geração de energia renovável, devido ao seu alto potencial de geração e baixo impacto ambiental. Seu maior benefício ao meio ambiente consiste na não-emissão de dióxido de carbono (que contribui para o efeito estufa). Além disso, os parques eólicos podem ser implementados de forma dinâmica. No Brasil, observa-se um movimento positivo de harmonização da agricultura com a geração de energia eólica, com projetos que conciliam ambos os serviços no mesmo espaço.

A título exemplificativo, cita-se três características relevantes nos contratos de energia eólica: a) alto custo de investimento; b) longo tempo de execução; c) interesses econômicos e políticos. Sobre o primeiro ponto, se justifica devido ao valor dos equipamentos e da estrutura dos aerogeradores. Com referência ao segundo frisa-se a complexidade desde a elaboração do projeto, sua aprovação perante as agências reguladoras e a efetiva construção. Finalmente, os projetos são alvo de interesse de diversos agentes, sejam políticos ou econômicos, considerando o seu alto impacto na sociedade. Em face dos elementos supracitados, é possível que surjam os mais diversos conflitos.

Outrossim, é comum que os projetos eólicos contem com participação de investimento estrangeiro, o que reforça a relevância da arbitragem como alternativa para solucionar eventuais conflitos. Desta forma, em um eventual litígio, as partes poderiam se beneficiar da arbitragem por vários motivos, dentre os quais ressalta-se: a) a especialidade do árbitro, tendo em vista a complexidade do tema; b) celeridade do processo arbitral, que impacta em resultados financeiros para as partes; c) evitar a discussão de competência da jurisdição estatal para julgar referida demanda.

A lei que regula a arbitragem no Brasil é a Lei nº 9.307/1996. É imprescindível destacar que a escolha da arbitragem pelas partes deve ser feita de maneira expressa, nunca tácita. Pode ser realizada já no momento da constituição do contrato, através da cláusula compromissória, ou posteriormente, firmando as partes um compromisso arbitral quando do surgimento da lide. Sobre o tema, o artigo 4º da Lei nº 9.307, dispõe que:

“Art. 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.

§ 1º A cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserta no próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira”.

O elemento central da arbitragem é a liberdade das partes, uma vez que essas renunciam a jurisdição estatal para tratar o assunto de forma privada. Assim, possuem discricionariedade para escolherem o procedimento que desejam adotar, a lei aplicável, a câmara na qual será resolvido o conflito (ou se será um procedimento ad hoc) e o árbitro ou os árbitros. Salienta-se que a sentença arbitral produz os mesmos efeitos que a sentença judicial, ambas formam títulos executivos judiciais.

Um questionamento comum é sobre a possibilidade de submeter à arbitragem conflitos que versem sobre direito administrativo. A possibilidade de utilização da arbitragem para resolver disputas envolvendo a Administração Pública é respaldada pela legislação nacional, consolidada através de alterações normativas introduzidas pela Lei Federal nº 13.129/2015, que reformulou a Lei Federal nº 9.307/1996. Desde então, há uma disposição expressa na legislação de que a arbitragem pode ser utilizada para resolver conflitos sobre direitos patrimoniais disponíveis que envolvam a Administração Pública. O parágrafo 1º do artigo 1º da Lei de Arbitragem traz a autorização legal, afirmando: “A administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis“.

No escopo doutrinário, vale destacar que o tema ainda enseja debates. O Dr. Ricardo Marcondes Martins, no capítulo I do livro “Direito Público e arbitragem: os desafios emergentes da resolução privada de conflitos do estado”, organizado pelo Dr. Rafael Valim e Dr. Walfrido Warde[3], defende a inconstitucionalidade da utilização da arbitragem em contratos envolvendo a administração pública, alertando sobre a possível desvirtuação dos interesses públicos em face de interesses econômicos de agentes autônomos.

Na mesma obra supramencionada, já no capítulo II, o Dr. Fernando Mendes discorre sobre os motivos pelos quais ele entende que a arbitragem pode agir como aliada da Administração Pública, uma vez que traz segurança jurídica às partes, especialmente quando tratamos de contratos com agentes estrangeiros, contrapondo os argumentos do capítulo anterior. Sobre a obra do Dr. Fernando Mendes, transcrevemos o trecho abaixo (grifo nosso):

“Nesse contexto, em que o Estado brasileiro precisa, além de sedimentar o seu papel de regulador da economia, retomar o de indutor do crescimento econômico, será cada vez mais importante que as regras do jogo sejam claras para que se permita a criação de um ambiente de negócios que confira o mínimo de previsibilidade e segurança jurídica para os contratos a serem celebrados, como política necessária para atração de investimentos.”

Observa-se que há um conflito doutrinário sobre o tema. Ainda assim, vale destacar que a lei é expressa ao permitir a utilização de arbitragem em casos que envolvam a administração pública, nos casos que envolvem direitos patrimoniais disponíveis. A título de esclarecimento, sobre a definição de direito patrimonial disponível no âmbito da administração pública, cita-se a definição exposta pelo Dr. Guilherme Carvalho em obra publicada pelo Conjur[4]:

“Quando a norma preconiza que o direito patrimonial da Administração Pública é disponível, por razão lógica a Administração pode dele dispor, negociando com a outra parte, notadamente, para fins de contratação pública, com o contratado, até que se alcance um ajuste que seja conveniente para ambas as partes. A literalidade do texto normativo não abre oportunidade para qualquer outra interpretação em sentido contrário”.

Ao analisarmos um projeto de energia eólica, mesmo que envolvendo a administração pública, eventual controvérsia pode ser resolvida através de arbitragem desde que verse sobre direitos patrimoniais disponíveis. A título exemplificativo, poderíamos mencionar uma disputa sobre o pagamento de compensação financeira ou royalties decorrentes da exploração de terras públicas para instalação de parques eólicos. Nesses casos, questões relacionadas aos contratos de arrendamento ou concessão de uso de terras públicas para o desenvolvimento de projetos de energia eólica poderiam ser submetidas à arbitragem para resolução.

Diante do exposto, conclui-se que as partes podem se beneficiar da existência de cláusula compromissória em contratos de energia eólica, tendo em vista as vantagens propiciadas pelo instituto arbitral.


[1] Graduanda em Direito pela Fundação Escola Superior do Ministério Público. Técnica em Comércio Exterior pela Fundação Evangélica de Novo Hamburgo. Semifinalista do IV WICADE. Estagiária no Magadan e Maltz Advogados.

[2] MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA. Transição energética: a mudança de energia que o planeta precisa. 3 out. 2023. Disponível em: https://www.gov.br/mme/pt-br/assuntos/noticias/transicao-energetica-a-mudanca-de-energia-que-o-planeta-precisa. Acesso em: 10 out. 2024.

[3] VALIM, Rafael; WARDE, Walfrido (Orgs.). Direito Público e arbitragem: os desafios emergentes da resolução privada de conflitos do estado. São Paulo: Editora Contracorrente, 2022.

[4] CARVALHO, Guilherme. Direito patrimonial disponível e a nova Lei de Improbidade Administrativa. Consultor Jurídico, 29 out. 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-out-29/licitacoes-contratos-direito-patrimonial-disponivel-lei-improbidade-administrativa/. Acesso em: 10 out. 2024.

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