Secretários do Tribunal Arbitral

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SECRETÁRIOS DO TRIBUNAL ARBITRAL: DICAS PRÁTICAS PARA ESTREANTES

Louise Maia de Oliveira[1]

O papel do secretário do tribunal arbitral é controverso na comunidade arbitral. Especialistas debatem quais podem ser seus deveres, de que forma prevenir interferências indevidas ou conflitos de interesse, entre outros.[2]

Contudo, apesar da prevalência de sua participação em procedimentos arbitrais,[3] poucos trabalhos abordam como os secretários podem realizar as tarefas de forma adequada, e profissionais enfrentando sua primeira indicação podem ter dificuldades em encontrar materiais para auxiliá-los. [4]

Assim, este artigo visa fornecer algumas dicas práticas para auxiliar os profissionais que estejam atuando nesta função pela primeira vez.

  • Comunicação

Como é cediço, não há consenso na comunidade arbitral quanto às tarefas que devem ser atribuídas a um secretário arbitral. Dentre as dez instituições arbitrais mais relevantes no Brasil,[5] apenas a CCI regulou a função, especificando quais tarefas podem ser realizadas por um secretário.[6][7]

Diante deste vazio regulatório,[8] a primeira e mais importante dica para um secretário é investir em uma boa comunicação com o tribunal arbitral. É essencial que as expectativas de todos os envolvidos estejam niveladas, para que o secretário não extrapole ou deixe de cumprir algum aspecto de seu mandato.

Ademais, a comunicação possui um papel relevante no curso do procedimento arbitral. Uma vez que o secretário é assistente do tribunal, suas tarefas devem aderir às orientações dos árbitros e ser submetidas para revisão ou aprovação destes. Ainda, em caso de dúvida, o secretário deve consultar os árbitros para obter instruções claras. Dessa forma, a comunicação entre o secretário e o tribunal arbitral deve ser frequente e consistente.

  • Organização

Apesar de não haver definição clara quanto às atribuições do secretário, é amplamente aceito que este realize tarefas administrativas, como organizar reuniões e audiências, lidar com correspondências, organizar arquivos e controlar prazos.[9] Portanto, recomenda-se que o secretário tenha algum método de organização.

A escolha do(s) método(s) decorre de preferência pessoal. Alguns que podem ser empregados, em conjunto ou separadamente, são:

– Dossier do caso: o secretário pode preparar um documento concentrando as informações do caso (nome das partes, patronos, secretaria institucional, contatos dos envolvidos, objeto da disputa, transcrição dos pedidos, números dos documentos mais relevantes, prazos futuros, etc.), para consulta própria e ou do tribunal.

– Acompanhamento semanal: para aqueles que atuem em mais de um caso, pode ser útil ter uma lista compilada de todos os casos, com seus últimos acontecimentos e prazos futuros, a ser revisada e atualizada semanalmente.

– Arquivo do caso: independentemente do arquivo preparado pela instituição, pode ser benéfico que o secretário tenha seu próprio arquivo, organizado conforme sua preferência. Um arquivo separado também assegura que, caso a secretaria cometa algum engano em seu arquivamento, o tribunal arbitral terá acesso a um arquivo completo.

– Arquivo administrativo: o secretário pode ter acesso a comunicações internas do tribunal (deliberações, informações de disponibilidade, orientações ao secretário) e comunicações com a instituição arbitral em questões administrativas. Ainda, o secretário pode preparar ou ter acesso a minutas de ordens processuais, comunicações às partes e sentenças. Tais minutas não farão parte dos arquivos oficiais do caso, mas é útil que sejam armazenadas em um arquivo administrativo apartado, para que possam ser acessadas se necessário.

Esta lista não é exaustiva. Há diversas outras ferramentas que podem ser usadas, como lembretes em calendário, checklists, linhas do tempo, etc., e caberá ao secretário optar pelas que melhor lhe servirem. Estes mecanismos são úteis por motivos organizacionais e administrativos, mas também para assegurar que o secretário estude e se familiarize com o caso, o que é essencial para que possa cumprir suas tarefas da melhor maneira.

  • Responsabilidade e postura

Como assistente do tribunal, é muito importante que o secretário tenha ciência de sua responsabilidade e mantenha a postura adequada no curso do procedimento.

Destarte, o secretário deve assegurar que é independente, imparcial e livre de conflitos de interesse, e que assim permaneça até o encerramento do caso.[10] Para tanto, recomenda-se manter um registro dos casos anteriores em que tenha participado e dos casos atuais, e identificar relacionamentos pessoais e ou profissionais que possam demandar revelação ou ensejar conflito.

No decorrer do procedimento, recomenda-se que o secretário evite contatos ex parte com as partes ou seus patronos, consulte o tribunal quanto às informações que possam ou não ser prestadas às partes, e mantenha uma postura neutra durante audiências e deliberações.

Ou seja, de forma geral, é importante que o secretário entenda seu papel e evite interferir na percepção do caso pelos árbitros e na confiança das partes quanto à sua isenção.

  • Proatividade

A falta de materiais disponíveis aos secretários para orientá-los sobre suas funções não deve desencorajá-los a buscar conhecimento e melhorar sua atuação.

Idealmente, os árbitros devem guiar seus assistentes quanto à atuação esperada neste papel – e geralmente o fazem. Contudo, os árbitros costumam ser profissionais ocupados, então não é viável que sejam a única fonte de know-how. Assim, também cabe àqueles que atuam como secretários adotar uma posição proativa quanto ao seu desenvolvimento.

Por exemplo, há diversos programas locais e internacionais de mentorias para jovens profissionais. Mentores são especialistas no ramo que se comprometeram a dedicar parte de seu tempo a guiar aqueles menos experientes. Assim, podem fornecer noções valiosas acerca das expectativas de árbitros e advogados quanto à atuação do secretário.

Outra opção é realizar um benchmarking. Benchmarking é o processo no qual se compara os procedimentos internos próprios com aqueles de líderes no ramo. Aplicado à arbitragem, jovens profissionais podem buscar aqueles que consideram bons secretários para que compartilhem seus métodos e experiências, e assim identificar pontos de melhoria. O benchmarking pode inclusive levar a resultados mais eficazes que mentorias, uma vez que profissionais mais jovens tendem a ter maior disponibilidade e proximidade geracional, o que facilita a troca de experiências.

Finalmente, se atentar à própria experiência, avaliando os erros e acertos cometidos, pode levar a grandes aprimoramentos. Após os primeiros casos atuando como secretário, já será possível criar os próprios materiais, modelos, checklists, que servirão de ponto de partida para os próximos casos e serão adaptados ao longo do tempo.

Conclusão

É natural que um jovem profissional que esteja diante de sua primeira indicação como secretário do tribunal se depare com desafios e dúvidas. Contudo, espera-se que este artigo auxilie os estreantes nesta função.

 

[1] Graduada na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Advogada em Eleonora Coelho Advogados.

[2] V. JENSEN, Ole, Tribunal Secretaries in International Arbitration, Oxford International Arbitration Series, Oxford University Press, 2019; DE LY, Filip, DEMEYERE, Luc (eds.), Arbitral Secretaries, Kluwer Law International, 2017.

[3] “The survey reveals that the use of tribunal secretaries is common in international arbitration. An overwhelming majority (97%) of respondents are aware of the function. Moreover, 82% of respondents have directly been involved in cases involving a tribunal secretary: 53% have actually used a tribunal secretary and 29% have seen it used.” Queen Mary University of London’s 2015 International Arbitration Survey: Improvements and Innovations in International Arbitration, p. 42. Disponível em: <http://www.arbitration.qmul.ac.uk/media/arbitration/docs/2015_International_Arbitration_Survey.pdf>, acesso em 28.jul.2021.

[4] Alguns bons materiais com viés prático são (i) LOVISCEK, Lucas. Guide for the Arbitral Secretary In: PLAZA, José, ARROYO, Carolina et. al (eds.), Surviving in the Field of International Arbitration: War Stories and Lessons Learned, Kluwer Law International, 2020; e (ii) PIERRE-FIERENS, Jean. An Arbitrator’s View on the Expected Assistance from the Arbitral Tribunal’s Secretary In: DE LY, Filip, DEMEYERE, Luc (eds.). Arbitral Secretaries, Kluwer Law International, 2017.

[5] Para este artigo, considerou-se como mais relevantes as dez instituições com maior número de casos – CAM-CCBC, 8ª Câmara Arbitral, CIESP/FIESP, ICC, CAMARB, FGV, CAESP, CAM, ARBITAC e AMCHAM –, conforme o Anuário da Arbitragem no Brasil 2018 do CESA, disponível em <http://www.cesa.org.br/media/files/Anuario2018Arbitragem.PDF>, acesso em 28.jul.2021.

[6] Item XX do ICC Note to Parties and Arbitral Tribunals on the Conduct of Arbitration, disponível em <https://iccwbo.org/content/uploads/sites/3/2020/12/icc-note-to-parties-and-arbitral-tribunals-on-the-conduct-of-arbitration-english-2021.pdf>, acesso em 28.jul.2021.

[7] Os Regulamentos da ARBITAC e da AMCHAM mencionam que o tribunal pode indicar um secretário, mas não especificam quais seriam suas atribuições, vide (i) Cláusula 25, ‘c’ do Regulamento da ARBITAC, disponível em <https://arbitac.com.br/wp-content/uploads/2021/03/Regulamento-de-Arbitragem-da-ARBITAC-5.pdf>, acesso em 28.jul.2021; e (ii) Cláusula 12 do Regulamento da AMCHAM, disponível em <https://estatico.amcham.com.br/arquivos/2018/arbitragem-comercial-regulamento.pdf>, acesso em 28.jul.2021.

[8] A pesquisa de 2012 do Young ICCA Task Force on the Appointment and Use of Arbitral Secretaries concluiu que 57,4% dos entrevistados era a favor de maior regulamentação do papel e funções de secretários de tribunais arbitrais. Após, a pesquisa de 2015 da Queen Mary (2015 International Arbitration Survey) reportou que 68% dos entrevistados indicaram que a função de secretário do tribunal arbitral demandava maior regulação.

  1. (i) International Council for Commercial Arbitration, The ICCA Reports No. 1, Young ICCA Guide on Arbitral Secretaries, disponível em <https://cdn.arbitration-icca.org/s3fs-public/document/media_document/aa_arbitral_sec_guide_composite_10_feb_2015.pdf>, acesso 28.jul.2021; (ii) 2015 International Arbitration Survey: Improvements and Innovations in International Arbitration, pp. 42-44.

[9] Vide (i) 2012 Survey of the Young ICCA Task Force on the Appointment and Use of Arbitral Secretaries; (ii) 2015 International Arbitration Survey: Improvements and Innovations in International Arbitration; (iii) ICC Note to Parties and Arbitral Tribunals on the Conduct of Arbitration, item 224.

[10] Young ICCA Guide on Arbitral Secretaries, artigo 2(3); ICC Note to Parties and Arbitral Tribunals on the Conduct of Arbitration, item 219; Regulamento da AMCHAM, clausula 12.3.

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