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Fernanda Lopes de Alcantara Gil

Bacharel em Direito pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. Coordenadora do GV Estudos em Arbitragem (GVEArb). Advogada com foco em contencioso cível e arbitragem

Quando se fala em pandemia e arbitragem, é inevitável pensar no impacto que a COVID-19 causou nas audiências de instrução. O que antes era um dos momentos mais intensos e performáticos de todo o procedimento passou a ser mais uma chamada de vídeo, como tudo tem sido desde março de 2020 – e isso sem falar na impossibilidade do contato pessoal com os árbitros, advogados da parte contrária, testemunhas, experts

Uma das questões que mais assolaram os advogados foi: será que é mais seguro suspender o procedimento e esperar por uma audiência “tradicional” ou ir em busca de uma alternativa que permita a realização imediata do exame das testemunhas? É possível que a audiência virtual seja mais uma das muitas atividades que geram o anseio pelo retorno ao presencial? O que acontece se não há acordo entre as partes sobre a realização ou não de audiência virtual?

As respostas não são nada óbvias, e muito menos unânimes. O tema é tão controverso que virou ponto para argumentação no XXVIII Willem C. Vis International Commercial Arbitration Moot, que acontecerá virtualmente no final de março de 2021. No caso simulado, a parte requerente aceita a realização da audiência por videoconferência por ter pressa no resultado útil do procedimento. Já as partes requeridas, mais interessadas no exame das testemunhas, preferem que a audiência seja conduzida presencialmente.

Conquanto tenha sido pensado para uma competição de arbitragem, o caso do moot reflete um debate que se tornou comum desde o início da pandemia. Para muitos, a escolha estava entre a distante e incerta possibilidade de um encontro presencial ou a aposta na insegurança do desconhecido mundo virtual.

Por todo o mundo, tribunais e câmaras de arbitragem passaram a se adaptar à nova realidade, oferecendo a condução remota das sustentações orais e inquirições de testemunhas, ou alternativas híbridas de apresentações e exames presenciais e virtuais. A impossibilidade do modelo tradicional de audiência por todas as restrições sanitárias somada à bandeira da agilidade do procedimento arbitral resultou na popularização do ambiente virtual.

Mesmo com o sucesso da videoconferência em muitos casos, fato é que a autonomia da vontade das partes continua sendo um princípio basilar da arbitragem, e se as partes decidirem pela audiência presencial, será necessário esperar pelo retorno ao “velho normal”. A balança da escolha conjunta pelo ambiente virtual deve pesar as vantagens e as desvantagens da alternativa, e há uma lista extensa de quesitos a se considerar de cada lado.

As vantagens logo vêm à mente: a condução virtual permite a realização imediata da audiência, reduz os custos com transporte de testemunhas, partes e árbitros, torna a comunicação entre os advogados de uma mesma parte mais ágil e reduz horas de locomoção que podem ser valiosas durante o preparo para a audiência. Ademais, com a vídeo chamada, as partes podem despender menos recursos nas despesas com hospedagem, nos custos com locação de espaços para realizar a audiência, contratação de funcionários, alimentação e assim por diante.

Quanto às desvantagens, o assunto é um pouco mais delicado. O fato de não haver contato com as testemunhas e experts pode tornar o trabalho do advogado e do árbitro mais difícil – afinal, somente o juramento garante a idoneidade do testemunho, e a linguagem corporal, muitas vezes preciosa, torna-se praticamente impossível de identificar. Além disso, eventual instabilidade de rede pode atrasar ou complicar a condução da audiência, e as informações confidenciais da arbitragem têm maior risco de vazamento pela facilidade na gravação ou até por falhas na proteção de dados.

Nas arbitragens internacionais ou que envolvam mais de uma língua, a tradução também se mostra mais desafiadora durante a audiência virtual, já que a chance de interferência na fala do orador pelos tradutores aumenta consideravelmente por conta da latência de rede mesmo quando as plataformas de chamada de vídeo oferecem o recurso de tradução simultânea. Nesses casos, a diferença de fuso horário entre os diferentes participantes também é uma questão, já que pode tornar a audiência mais cansativa e menos eficiente (pelo uso de mais dias por conta do horário reduzido, por exemplo).

No entanto, a longa permanência no estado de isolamento trouxe soluções para muitos desses problemas, uma vez que, a essa altura, muitas audiências virtuais já foram realizadas com mais ou menos sucesso. Exemplos são as regras de confidencialidade voltadas especificamente ao ambiente virtual que passaram a se aplicar em muitos casos, assim como os cuidados para garantir que os testemunhos não fossem adulterados.

A conclusão é que a pandemia forçou a busca por alternativas que podem ser úteis até quando o vírus não for mais uma ameaça presente, e, apesar de não ter sido bem aceita por alguns, a condução virtual da audiência melhorou o procedimento para muitos. Mesmo com as possíveis dificuldades, a audiência virtual é um recurso que veio para ficar, e é possível – e até provável – que ela seja, de fato, o “novo normal”.

 

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