As principais tendências para a arbitragem internacional em 2022

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As dez principais tendências para a arbitragem internacional em 2022

Matheus Bastos Oliveira[1]

Fernanda Pires Merouco[2]

Reunimos abaixo um resumo das dez tendências para a arbitragem internacional em 2022 destacadas pelo Freshfields Bruckhaus Deringer[3]

Questões ambientais, sociais e de governança (ESG). Crescentes expectativas ambientais, sociais e de governança continuam a motivar as empresas a repensar os seus modelos de negócios, exigindo a revisão de suas práticas internas e relações contratuais. Nesse sentido, a cláusulas ESG têm adquirido maior relevância ao buscar tutelar riscos existentes em toda a cadeia de produção. Entretanto, a inclusão de novas representações, garantias e indenizações relacionadas às práticas ESG pode dar origem a arbitragens comerciais envolvendo a implementação ou interpretação dessas cláusulas. Já no tocante às arbitragens de investimento, a implementação de regulações voltadas à promoção de ESG tem impulsionado o surgimento de novos conflitos, sobretudo quanto à capacidade regulatória dos Estados, com destaque no setor energético. Por fim, a negociação de novos tratados de investimento demonstra a preocupação dos Estados em conjugar a promoção do comércio e dos investimentos com mecanismos que estimulem o desenvolvimento sustentável e a proteção dos direitos humanos.

Impactos da pandemia na arbitragem. A pandemia provavelmente continuará motivando novas disputas causadas pela interrupção ou desaceleração de negócios em vários setores. Os efeitos da COVID-19 permanecem como centro de argumentos de caso fortuito, força maior e impossibilidade econômica de cumprimento dos contratos, apesar de muitas cortes judiciais e tribunais arbitrais entenderem que a segunda e subsequentes ondas da COVID-19 não são suficientemente “imprevisíveis”. Os efeitos da pandemia também se desdobram na expectativa de forte aumento das insolvências na medida em que subsídios estatais sejam retirados, o que pode vir a afetar o prosseguimento de algumas disputas ou mesmo a execução de sentenças arbitrais. Enquanto isso, a audiência virtual continua ganhando espaço e ameaça virar a regra por ser mais econômica e oferecer maior flexibilidade processual e logística, embora algumas questões práticas ainda mereçam melhor solução.

Financiamento por Terceiros.  As dificuldades econômico-financeiras experimentadas durante e após a pandemia vão continuar a catalisar o uso de ferramentas para melhor gestão de liquidez por empresas envolvidas em litígios. Uma dessas ferramentas é o financiamento de litígios por terceiros, instrumento cada vez mais utilizado nas arbitragens. Algumas instituições arbitrais, como a CCI, incorporaram algumas regras para a revelação de informações relacionadas ao financiamento por terceiros nos seus mais novos regulamentos de arbitragem[4]. Em paralelo, também ganha destaque a compra e venda de créditos materializados em sentenças arbitrais , utilizado por empresas que desejam monetizar sentenças arbitrais sem incorrer no risco e no custo de sua execução.

Arbitragens de Investimento dentro da União Europeia. O cerco às arbitragens de investimento entre países membros da União Europeia vem se fechando desde a decisão do Tribunal de Justiça da União Européia em Eslováquia c. Achmea[5]. Em 2021, mais duas decisões do tribunal restringiram a realização de arbitragem de investimento entre os Estados-membros e investidores do bloco[6]. Em princípio, tais decisões não afetam arbitragens conduzidas pelo ICSID, já que esses procedimentos estão inseridos no regime internacional da Convenção ICSID, independente da União Européia e de regimes legais nacionais. Espera-se, contudo, que essas decisões tenham um grande impacto em arbitragens de investimento fora do regime ICSID, já que estas estão vinculadas à jurisdição da respectiva sede da arbitragem e, portanto, possivelmente sujeitas à lei e às decisões judiciais da União Européia.           Em contrapartida, a Comissão Europeia busca propor novos mecanismos para proteger e facilitar investimentos estrangeiros       na região, destacando-se a revisão do Energy Charter Treaty (ECT) à luz do Acordo de Paris e a criação de um tribunal internacional multilateral de investimentos que possa substituir o atual sistema arbitral[7].

Padrões Éticos na Arbitragem.  Em resposta às novas demandas sociais, a comunidade arbitral tem se esforçado para ampliar as iniciativas voltadas a aprimorar os padrões profissionais, éticos e ambientais da arbitragem. Por exemplo, a ICCA introduziu em 2021 as suas diretrizes sobre Standards of Practice in International Arbitration, estabelecendo padrões essenciais de conduta às partes, aos advogados(as) e a todas as demais pessoas envolvidas na arbitragem internacional[8]. O ICSID e a UNCITRAL também publicaram a terceira minuta do Code of Conduct for Adjudicators in International Investment Disputes, com o objetivo de, entre outros, aumentar a independência e imparcialidade dos(as) árbitros(as)[9]. Necessário progresso também vem sendo constatado no aumento da porcentagem média de mulheres árbitras, graças a iniciativas como a Equal Representation in Arbitration (ERA) Pledge e ArbitralWomen[10]. Outras iniciativas focalizadas em diversidade racial e étnica, incluindo a Racial EquaIity for Arbitration Lawyers (REAL)[11], a Africa Promise[12], e a lista de Arbitrators of African Descent with a US Nexus[13], além da African Arbitration Academy[14] também se destacam pelo seu importante papel na pluralização da diversidade na arbitragem. Por fim, o surgimento de iniciativas de sustentabilidade na arbitragem, lideradas pela Campaign for Greener Arbitrations[15], também tem proposto novas reflexões à comunidade arbitral.

Maior eficiência em procedimentos arbitrais.  Os benefícios do uso de procedimentos expeditos, audiências virtuais, protocolos eletrônicos e outros mecanismos processuais têm motivado a sua crescente utilização e continuado a alterar antigos dogmas da arbitragem. Em 2021, destacaram-se os novos regulamentos de arbitragem expedita pela UNCITRAL[16] e as novas regras de arbitragem ICSID, que também preveem um procedimento expedito para as arbitragens de investimento[17].

Arbitragem e Tecnologia.  A aceleração da inovação e da transformação digital continuará a impactar o cenário global de fusões, aquisições e financiamento de empresas de tecnologia, com o consequente aumento de disputas comerciais no setor. A proliferação de novos produtos e serviços baseados em blockchain, inteligência artificial e tecnologias de realidade aumentada, e os respectivos contratos para o desenvolvimento, venda ou licenciamento dessas novas tecnologias trazem expectativas novas ao mercado, o que muitas vezes resulta em litígios. No âmbito das arbitragens de investimento, a extensão da regulamentação governamental dessas atividades, notadamente de grandes empresas de tecnologia, também tem implicado no aumento do número de procedimentos, sendo uma tendência para os próximos anos.

Instituições Financeiras e Arbitragem. A crescente complexidade das transações financeiras internacionais e os recentes mecanismos voltados a dar maior eficiência às arbitragens (por exemplo, procedimentos expeditos e de julgamento sumário) conduzem certas instituições financeiras a reavaliarem a sua tradicional opção pelo litígio judicial como meio de resolver suas disputas contratuais, optando cada vez mais pela arbitragem. No âmbito das arbitragens de investimento, as instituições financeiras têm respondido ao avanço das intervenções estatais na economia ao estruturar os seus investimentos internacionais de forma a aproveitar proteções conferidas por tratados de investimento e viabilizar o uso da arbitragem contra ações governamentais que afetem estes investimentos estrangeiros.

Arbitragem de construção diante da transição energética e das mudanças climáticas. O emergente e intenso desenvolvimento de novas tecnologias para a geração de energias renováveis, associado à entrada de novos operadores no mercado e ao desenvolvimento de políticas governamentais de fomento, devem continuar a ensejar alto número de disputas no setor, desde a fase de planejamento até a operação desses empreendimentos. Espera-se que mecanismos mais céleres sejam utilizados com maior frequência para resolver questões pontuais e/ou garantir a continuidade do projeto, como os dispute boards e as arbitragens expeditas.. Em paralelo, eventos climáticos extremos podem atrasar e/ou interromper projetos em desenvolvimento, bem como afetar a sua operabilidade ou resultados. Em certos casos, a alocação contratual de riscos derivados de eventos climáticos extremos não oferece respostas adequadas à solução do conflito, já que a gravidade de um evento climático e a sua imprevisibilidade podem assumir nuances particulares em cada caso.

Consolidação dos centros de arbitragem no Oriente Médio. Um raro exemplo de interferência governamental na arbitragem se concretizou no final de 2021 com o fechamento de instituições arbitrais e a designação do Dubai International Arbitration Centre (DIAC) como única instituição autorizada a administrar arbitragens em Dubai. Partes que tenham escolhido ou que venham a escolher Dubai como a sede da arbitragem não devem contar com outras instituições para administrar suas disputas. Em todo caso, partes que desejem arbitrar suas disputas no Oriente Médio ainda podem escolher outras conhecidas instituições arbitrais, como o Dubai International Financial Centre (DIFC) e o Abu Dhabi Global Market (ADGM).

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[1] Associate no Freshfields Bruckhaus Deringer US LLP, inscrito na OAB-RJ sob o n. 199.682.

[2] Associate no Freshfields Bruckhaus Deringer US LLP.

[3] Essas tendências foram originalmente publicadas pelo Freshfields Bruckhaus Deringer, cuja versão em português está disponível em https://www.freshfields.com/49011d/globalassets/our-thinking/campaigns/arbitration-top-trends-2022/international_arbitration_top_trends_2022_portuguese.pdf., acessado em 31 de março de 2022.

[4] Vide Artigo 11(7) da Regras de Arbitragem da CCI, disponível em https://iccwbo.org/content/uploads/sites/3/2021/03/icc-2021-arbitration-rules-2014-mediation-rules-portuguese-version.pdf, acessado em 03 de junho de 2022.

[5] Eslováquia c. Achmea B.V., Caso C-284/16, Tribunal de Justiça da União Européia, 6 de março de 2018, disponível em https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=199968&pageIndex=0&doclang=PT&mode=req&dir=&occ=first&part=1&cid=404057, acessado em 03 de junho de 2022.

[6] Vide Polônia c. PL Holdings Sàrl, Caso C-109/20, Tribunal de Justiça da União Européia, 26 de outubro de 2021, disponível em https://files.lbr.cloud/public/2021-10/CURIA%20-%20Documents.pdf?VersionId=xPevKno39GQEeiLR4I6oi_6N95KVNb5W, acessado em 03 de junho de 2022; e Moldávia c. Komstroy LLC, Caso C-741/19, Tribunal de Justiça da União Européia, 02 de setembro de 2021, disponível em https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=245528&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=3174217, acessado em 03 de junho de 2022.

[7] Mais informações podem ser encontradas em https://policy.trade.ec.europa.eu/enforcement-and-protection/multilateral-investment-court-project_en, acessado em 03 de junho de 2022.

[8] As diretrizes estão disponíveis em https://www.arbitration-icca.org/icca-reports-no-9-guidelines-standards-practice-international-arbitration, acesso em 03 de junho de 2022.

[9] Disponível em https://icsid.worldbank.org/sites/default/files/documents/Code_of_Conduct_V3.pdf, acessado em 03 de junho de 2022.

[10] Vide, respectivamente, http://www.arbitrationpledge.com/ e https://www.arbitralwomen.org/, acessados em 03 de junho de 2022.

[11] Vide https://letsgetrealarbitration.org/, acessado em 03 de junho de 2022.

[12] Vide https://researcharbitrationafrica.com/the-african-promise/, acessado em 03 de junho de 2022.

[13] Vide https://www.uscib.org/uscib-content/uploads/2021/06/Arbitrators-of-African-Descent-August-2020-Final.pdf, acessado em 03 de junho de 2022.

[14] Vide https://www.africaarbitrationacademy.org/, acessado em 03 de junho de 2022.

[15] Vide https://www.greenerarbitrations.com/, acessado em 03 de junho de 2022.

[16] Disponível em https://uncitral.un.org/sites/uncitral.un.org/files/media-documents/uncitral/en/21-07996_expedited-arbitration-e-ebook.pdf, acessado em 03 de junho de 2022.

[17] Vide capítulo XII das Regras de Arbitragem ICSID, disponível em https://icsid.worldbank.org/sites/default/files/publications/rule_amendment_proposals_convention.pdf, acessado em 03 de junho de 2022.

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