Desvendando a Resolução de Disputas Comerciais: O Poder da Mediação, Conciliação e Good Offices na OMC

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Desvendando a Resolução de Disputas Comerciais: O Poder da Mediação, Conciliação e Good Offices na OMC

Matheus Almilhatti Nori[1]

 

Introdução

A Organização Mundial do Comércio (OMC) desempenha um papel fundamental na facilitação do comércio global, fornecendo uma estrutura para a resolução de disputas entre seus países membros. No centro dessa estrutura estão os procedimentos descritos no Dispute Settlement Understanding (DSU)[2], que visa garantir que as controvérsias comerciais sejam resolvidas de maneira justa e equitativa. Um aspecto importante do DSU é a previsão para uso da mediação, conciliação e good offices, que são mecanismos criados para ajudar as partes a chegar a soluções mutuamente acordadas para suas disputas comerciais. Esses métodos alternativos de resolução de disputas oferecem inúmeras vantagens, incluindo sua natureza voluntária, confidencialidade e o envolvimento de terceiros independentes. Neste artigo, exploraremos os conceitos e os aspectos práticos da mediação, da conciliação e dos good offices no contexto da OMC, sua importância na resolução de disputas comerciais e o potencial para sua maior utilização no futuro.

 

O papel da mediação, da conciliação e dos good offices

O DSU da OMC reconhece a importância da mediação, da conciliação e dos good offices na facilitação de soluções amigáveis para disputas comerciais. Esses mecanismos baseiam-se na ideia de que um terceiro imparcial, sem relação com as partes em disputa, pode desempenhar um papel crucial na orientação das negociações e na busca de uma solução.

Natureza voluntária dos mecanismos: Uma das características distintivas desses métodos é sua natureza voluntária. As partes em uma disputa devem concordar mutuamente em participar de mediação, conciliação ou good offices. Esse aspecto ressalta o compromisso da OMC em garantir que as controvérsias sejam resolvidas de uma maneira aceitável para todas as partes envolvidas, e não por meio de coerção ou imposição.

O espectro do envolvimento: O DSU faz distinção entre os três métodos com base no grau de envolvimento do terceiro. Os good offices se concentram principalmente no fornecimento de suporte logístico para facilitar as negociações, garantindo que as partes possam se envolver em discussões produtivas. A conciliação vai um passo além, envolvendo o terceiro diretamente nas discussões e negociações entre as partes em disputa. A mediação, entretanto, é o mecanismo de maior envolvimento, permitindo que o mediador não apenas participe e contribua com as discussões, mas também proponha possíveis soluções. É importante ressaltar que as partes em disputa não são obrigadas a aceitar as propostas do mediador, preservando sua autonomia no processo.

 

Prazo e pré-requisitos

Para entender como a mediação, a conciliação e os good offices se encaixam no processo mais amplo de resolução de disputas na OMC, é fundamental considerar seu tempo e pré-requisitos:

Momento de início: O Artigo 5.3 do DSU especifica que esses mecanismos podem ser iniciados a qualquer momento durante o processo de resolução de disputas. Entretanto, eles não podem ser iniciados antes de uma solicitação de consultas. Uma solicitação de consultas é uma primeira etapa fundamental no processo formal de solução de controvérsias e é necessária para acionar a aplicação dos procedimentos do DSU, inclusive os descritos no Artigo 5.

Início durante as consultas: As partes podem iniciar esses procedimentos durante seu período de consultas. É importante ressaltar que, se esses mecanismos forem iniciados dentro de 60 dias após a data da solicitação de consultas, o reclamante estará proibido de solicitar um painel antes que esse período de 60 dias tenha expirado. Essa disposição foi criada para incentivar as partes a explorar métodos alternativos de resolução de disputas antes de buscar uma adjudicação mais formal por meio de um painel.

Encerramento dos procedimentos: Esses procedimentos também são flexíveis, pois podem ser encerrados a qualquer momento se as partes concordarem com isso. Essa flexibilidade reflete o compromisso da OMC de promover o diálogo construtivo e a flexibilidade na busca de soluções para disputas comerciais.

 

Confidencialidade e natureza não prejudicial

A confidencialidade e a natureza não prejudicial da mediação, da conciliação e dos good offices são princípios centrais que orientam sua implementação na OMC:

Confidencialidade estrita: O artigo 5.2 do DSU estipula que os procedimentos desses mecanismos são estritamente confidenciais. Essa confidencialidade é fundamental porque, durante as negociações, uma parte pode revelar informações confidenciais ou oferecer compromissos para facilitar a resolução. A confidencialidade protege a integridade do processo de resolução de disputas.

Posição não prejudicial: É importante ressaltar que esses procedimentos são projetados para não diminuir a posição de nenhuma das partes em qualquer procedimento subsequente de resolução de disputas. Essa cláusula garante que qualquer flexibilidade construtiva ou abertura demonstrada durante a mediação, conciliação ou discussões de good offices não seja usada contra as partes se a disputa for levada a julgamento. As partes devem se sentir seguras para explorar possíveis soluções sem medo de consequências adversas.

 

Envolvimento do Diretor-Geral

O DSU reconhece a importância de envolver um terceiro independente nos procedimentos de mediação, conciliação e good offices. Especificamente, o Artigo 5.6 do DSU descreve o envolvimento do Diretor-Geral da OMC nesses processos:

Função do Diretor-Geral: O Diretor-Geral pode oferecer good offices, conciliação ou mediação para ajudar os membros da OMC a resolverem suas disputas comerciais. O envolvimento do Diretor-Geral ou de um Diretor-Geral Adjunto designado é fundamental para orientar os procedimentos e garantir que eles sigam os princípios de imparcialidade e justiça.

Comunicação aos membros da OMC: A ausência de recurso aos procedimentos descritos no Artigo 5 levou o Diretor-Geral a emitir uma comunicação formal aos membros da OMC. Nessa comunicação, o Diretor-Geral expressou sua disposição de ajudar os Membros, conforme previsto no Artigo 5.6 do DSU, com o objetivo de resolver disputas sem a necessidade de painéis e do Órgão de Apelação. A comunicação também detalhou os procedimentos a serem seguidos quando os Membros solicitassem a assistência do Diretor-Geral para mediação, conciliação ou good offices.

Confidencialidade e comunicações ex parte: A comunicação reforçou os princípios de confidencialidade, estipulando que as comunicações ex parte, que envolvem uma parte e o Diretor-Geral sem o envolvimento da outra parte, seriam permitidas. Todas as comunicações durante o processo permaneceriam confidenciais, e nenhum terceiro poderia participar do processo sem o consentimento das partes.

 

Implementação prática

Embora as disposições do DSU estejam em vigor para promover a mediação, a conciliação e os good offices, é essencial entender como esses mecanismos foram implementados na prática dentro da OMC. Até o momento da redação deste documento, esses procedimentos não foram amplamente utilizados na solução de controvérsias da OMC. Entretanto, houve alguns casos que ilustram seu potencial e aplicabilidade.

Solicitação de mediação: Em um caso, três membros da OMC solicitaram conjuntamente ao Diretor-Geral, ou a uma pessoa designada pelo Diretor-Geral com a concordância dos membros solicitantes, que fizesse uma mediação. O mediador foi encarregado de examinar até que ponto um tratamento tarifário preferencial concedido a outros membros prejudicava indevidamente os interesses legítimos de exportação de dois dos membros solicitantes. Embora os Membros requerentes não considerassem a questão uma “disputa” nos termos do DSU, eles concordaram que o mediador poderia ser orientado por procedimentos semelhantes aos previstos para mediação nos termos do Artigo 5 do DSU. O Diretor-Geral nomeou um Diretor-Geral Adjunto para ser o mediador, e foi acordado que as conclusões do mediador permaneceriam confidenciais após a conclusão do procedimento.

Disposições específicas para países membros de países menos desenvolvidos: O DSU também contém disposições específicas para o envolvimento de mediação, conciliação e good offices em disputas envolvendo países membros menos desenvolvidos. Se as consultas não tiverem resultado em uma solução satisfatória e o país membro menos desenvolvido solicitar, o Diretor-Geral ou o Presidente do Órgão de Solução de Controvérsias (DSB) deverá oferecer seus good offices, conciliação e mediação. O objetivo principal é ajudar as partes a resolver a disputa antes do estabelecimento de um painel.

 

Conclusão

A mediação, a conciliação e os good offices são componentes importantes da estrutura de resolução de disputas da OMC. Esses métodos alternativos oferecem uma abordagem flexível, confidencial e voluntária para a resolução de disputas comerciais, permitindo que as partes explorem soluções mutuamente acordadas. Embora a utilização desses mecanismos na OMC tenha sido limitada, eles têm um grande potencial para promover um diálogo construtivo e evitar uma adjudicação mais formal por meio de painéis e do Órgão de Apelação.

À medida que o cenário do comércio global evolui, a importância desses métodos alternativos de resolução de disputas torna-se cada vez mais evidente. Sua natureza voluntária incentiva as partes a se envolverem em negociações com espírito cooperativo, e sua confidencialidade protege a integridade do processo. Além disso, o envolvimento de terceiros independentes, como o Diretor-Geral, garante a imparcialidade e a justiça.

A OMC, em seu compromisso de fornecer uma estrutura sólida para a resolução de disputas comerciais, deve continuar a promover e incentivar o uso de mediação, conciliação e good offices. Esses mecanismos têm o potencial de reduzir o ônus dos procedimentos formais de solução de controvérsias e contribuir para um ambiente de comércio global mais cooperativo e eficiente. Cabe aos membros da OMC reconhecer o valor desses métodos alternativos e trabalhar juntos para alavancar seus benefícios no tratamento de conflitos comerciais. Ao fazer isso, a organização poderá cumprir melhor sua missão de facilitar e regulamentar o comércio internacional, beneficiando, em última análise, seus países membros e a economia global.

 

[1] Advogado autônomo

[2] Disponível em: < https://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/dsu_e.htm >. Acesso em 14.04.2024.

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