Homologação de sentença na Corte Inglesa
Counsel na Clyde & Co’s International Arbitration Group, Professor-associado da Queen Mary University of London
O caso Carpatsky Petroleum Corporation versus PJSC Ukrnafta (Caso Nº: CL-2016-000547), de 30 de março deste ano, teve sua sentença arbitral e execução homologadas pela Corte Inglesa, sob a Convenção de Nova Iorque.
A decisão é interessante porque valoriza a sede de arbitragem e, principalmente, porque sua fundamentação parece não ter correspondência na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, conforme brevemente discutido adiante.
Decisão. A parte vencida na arbitragem propôs ação anulatória de sentença arbitral na Suécia (sede da arbitragem), sob os argumentos de: (i) ausência de jurisdição do tribunal arbitral; (ii) irregularidade processual com relação ao cálculo da indenização; e (iii) o tribunal excedeu o seu mandato.
O judiciário sueco indeferiu a ação anulatória.
A parte vencedora iniciou a homologação e execução da sentença arbitral estrangeira na Inglaterra. A parte vencida resistiu a homologação sob os argumentos de: (i) invalidade da cláusula arbitral (art. V.1.(a) da CNI); (ii) irregularidade processual (art. V.1.(b) da CNI); e (iii) o procedimento arbitral não foi conduzido nos termos acordados pelas partes (art. V.1.(d) da CNI). Ainda, a parte vencida arguiu uma posição sobre a lei aplicável à cláusula arbitral, diferente da posição apresentada na Suécia.
O judiciário inglês deferiu a homologação da sentença arbitral estrangeira; e repeliu os argumentos de defesa, em parte, com base em duas fundamentações interessantes:
- A parte vencida não poderia reapresentar e rediscutir na ação de homologação na Inglaterra os argumentos apresentados e discutidos na ação de anulação na Suécia, por força de estoppel.
“Good Challenger Navegante v Metalexportimport [2003] EWCA Civ 1668″ determinou o seguinte teste para estoppel: (i) a sentença deve ter sido proferida por uma autoridade estrangeira competente e com jurisdição; (ii) a sentença deve ser final, conclusiva e com base no mérito; (iii) identidade entre as partes, (iv) identidade do objeto, pois a questão decidida pela autoridade estrangeira deve ser a mesma apresentada ao judiciário inglês.
- Seria um abuse of process apresentar argumentos na ação de homologação na Inglaterra que não foram apresentados na Suécia (“Henderson v Henderson [1843-1860] All ER Rep 378″ estabeleceu que as partes devem apresentar o caso integralmente em processo perante o judiciário, restando sido apresentados em processo anterior – pois tal prática configura um abuse of process).
Comparação com a posição no Brasil. O Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) não reconhece o princípio internacional de comity, e sua jurisprudência não determina a preclusão do direito de rediscutir, em ação de homologação de sentença arbitral estrangeira, argumentos já discutidos na sede da arbitragem (e.g., SEC no. 9.412).
A postura do STJ é apropriada em certos casos, como onde há claro risco de violação absoluta à ordem pública brasileira (art. V.2.(b) da CNI). Contudo, tal postura não parece sempre desejável como, por exemplo, em casos que:
(i) A lei processual aplicável à arbitragem é a lei da sede da arbitragem, aquele judiciário analisa e rechaça alegações de vícios processuais; ou
(ii) A lei aplicável à cláusula arbitral é a lei da sede da arbitragem, e aquele judiciário examina e refuta alegações de invalidade da respectiva cláusula.
Ademais, uma decisão que negou a anulação ou confirmou a execução da sentença arbitral na sede, geralmente, é uma sentença judicial estrangeira passível de homologação no Brasil (situação que impossibilitaria a rediscussão do seu objeto).
Ainda, há um possível contraste entre o tratamento dado às sentenças arbitrais anuladas na sede, e sentenças arbitrais mantidas na sede. Por exemplo, ao negar a homologação de sentença arbitral estrangeira anulada na Argentina (sede da arbitragem), o STJ não reanalisou os argumentos discutidos na ação de anulação, sob a fundamentação de impossibilidade da análise de decisão judicial estrangeira (SEC no. 5.782-EX).
Nesse contexto, seguem duas perguntas:
(a) A fundamentação da decisão inglesa seria compatível com o direito brasileiro?
(b) Caso sim, adotar uma posição similar traria algum benefício ao instituto da arbitragem, e estaria alinhada com o interesse de seus usuários?
Com relação à pergunta (a), é necessário verificar se a lei brasileira fornece as ferramentas necessárias ao STJ para aplicar entendimento similar à decisão inglesa. Por exemplo, a figura da preclusão poderia ser aplicada, e alargada, para encontrar equivalência ao resultado de estoppel acima discutido? Haveria espaço para expandir a aplicação do art. 337, § 1º, § 2º e § 4º e o art. 505 do CPC? Venire contra factum proprium, em certas situações, atingiria resultado similar ao abuse of process? O princípio da boa-fé (art. 5º do CPC) poderia servir de fundamentação para barrar a second bite at the cherry, com base em argumentos idênticos já exauridos na sede de arbitragem?
Essas perguntas são complexas e exigem um estudo aprofundado.
Com relação à pergunta (b), a resposta parece mais clara. Há potencial para reduzir ab initio o escopo das discussões em ações de homologação de sentença estrangeira no STJ, em certos casos, tornando o processo mais célere e menos custoso (e.g., SEC no. 14.930/US – a homologação levou mais de quatro anos, porque a parte vencida reapresentou e rediscutiu os mesmos argumentos rechaçados pelo judiciário da sede da arbitragem).
A sede da arbitragem é um elemento negociado e acordado pelas partes da cláusula arbitral. As partes escolhem uma sede, dentre outras razões, porque estão satisfeitas com o grau de revisão aplicado pelo judiciário daquele país em sentenças arbitrais. Barrar a rediscussão de argumentos já negados na sede fortalece o caráter final da sentença arbitral, e aumenta a previsibilidade e eficiência do instituto, porque evita que um mesmo exercício seja repetido em cada país em que se busque a homologação da sentença arbitral.
Enfim, a sugestão não é abrir a fronteira para sentenças arbitrais estrangeiras, sem controle institucional algum. Longe disso. Também não se sugere uma regra firme, que não comporte exceções. Contudo, em certos casos, poderia ser benéfico restringir o escopo das discussões em ação de homologação de sentença arbitral estrangeira, ao proibir que a parte vencida reapresente e rediscuta os argumentos exauridos na sede da arbitragem?