Entre a Confidencialidade e a Eficiência: A Publicação das Sentenças Arbitrais à Luz da Análise Econômica da Arbitragem

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Entre a Confidencialidade e a Eficiência: A Publicação das Sentenças Arbitrais à Luz da Análise Econômica da Arbitragem

Letícia Aragão[1]

 

É necessário, de início, apresentar brevemente o conceito de Análise Econômica do Direito (AED). Trata-se de um campo do conhecimento humano que busca contribuir para a compreensão e aplicação do Direito, por meio de ferramentas da economia, com o objetivo de aperfeiçoar a avaliação, o desenvolvimento e a aplicação de normas jurídicas e do sistema jurídico como um todo[2].

Um dos pressupostos centrais da economia é o de que os seres humanos agem racionalmente, buscando maximizar seus interesses. Assim, parte-se do entendimento de que é possível influenciar o comportamento humano por meio de incentivos, orientando decisões no sentido da maximização da utilidade.[3]

Quando se “vira a chave” para analisar o direito da perspectiva econômica positiva, paramos de ver a norma apenas como um “comando”, para passar a vê-la também como um “incentivo”.[4]

Dentro desse contexto, a doutrina juseconomista desenvolveu o chamado modelo básico da litigância[5], cujo foco está na identificação das situações em que um agente racional optaria por instaurar um processo litigioso.

Diversos fatores impactam diretamente essa decisão, dentre os quais se destacam[6]:

(i) valor do bem da vida para as partes e a repercussão do processo sobre ele: quanto maior for o valor do bem da vida, menos relevantes tendem a ser os custos do litígio em seu confronto;

(ii) custos da litigância: quanto maiores os custos para litigar (honorários advocatícios contratuais e de sucumbência, custas processuais ou taxas de administração de processos arbitrais e honorários de árbitros, despesas com a produção de provas etc.), especialmente quando não reembolsáveis, menor o incentivo para a instauração do processo;

(iii) alinhamento ou desalinhamento das expectativas das partes quanto ao resultado esperado do processo, decorrente de: (a) desconhecimento ou diversidade de informações sobre os fatos relevantes (“informações assimétricas”) e impossibilidade de definir com segurança o teor exato da norma jurídica a ser usada como critério de decisão (insegurança jurídica).

Para os fins desta análise, serão destacados dois desses elementos: os custos da litigância e o desalinhamento das expectativas quanto ao resultado do processo.

No momento da negociação contratual, as partes que optam pela arbitragem avaliam os custos envolvidos no procedimento e os benefícios que este pode trazer em relação ao contrato em questão.

Os Professores Peter Christian Sester[7], Heitor Vitor Mendonça Sica e Wilson Pimentel[8] já demonstraram que a arbitragem, em determinadas circunstâncias, pode ser mais econômica do que o processo judicial — o que representa um incentivo econômico relevante para sua escolha como método de resolução de conflitos.

Entretanto, no ambiente prático empresarial, observa-se que, além do debate em torno do custo da arbitragem — muitas vezes percebida como mais onerosa do que o Judiciário, mesmo quando isso não corresponde à realidade — há também um forte componente de insegurança jurídica.

Para ilustrar com dados simples, considere-se um processo judicial com valor de causa de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais): as custas iniciais no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo girariam em torno de R$ 15.000,00. Já na arbitragem, para o mesmo valor da disputa, as taxas para cada parte seriam de aproximadamente R$ 137.650,00 no caso de um árbitro único, ou R$ 235.500,00 em um tribunal composto por três árbitros.

Esta insegurança decorre, em grande parte, da ausência de informações claras sobre como os árbitros costumam decidir, uma vez que, via de regra, os procedimentos arbitrais são sigilosos — característica que, inclusive, é frequentemente apontada como uma das vantagens da arbitragem.

É importante ressaltar que não se pretende, com isso, defender que as sentenças arbitrais devam ser vinculantes ou tratadas como precedentes. O objetivo da publicação dessas decisões é outro: aumentar a previsibilidade e a segurança jurídica para as partes no momento da escolha pelo procedimento arbitral.

Atualmente, já existem formas de se publicar sentenças arbitrais sem expor as partes a riscos, como a retirada dos nomes ou a publicação de disputas que não possam ser identificadas apenas pelo objeto ou tema tratado.

Nesse sentido, destacam-se os esforços do Centro de Arbitragem e Mediação Brasil-Canadá (CAM-CCBC) em favor da transparência. Um exemplo notável é o projeto Sentenças Arbitrais Públicas, que reúne decisões disponíveis por determinação legal ou em processos judiciais de execução ou anulação.

Esses acervos são reunidos em um portal próprio, organizados por temas como administração pública, contratos comerciais, disputas societárias, segmentos imobiliário, financeiro e de energia. A publicação ocorre em volumes digitais gratuitos e estruturados, permitindo acesso público ao conteúdo relevante das decisões, sem identificação das partes.[9]

Outro avanço relevante é a parceria firmada com a plataforma com o Jus Mundi, que amplia a transparência ao publicar excertos de sentenças arbitrais gerados por inteligência artificial, possibilitando acesso a fragmentos de decisões anonimizadas. Essa colaboração tem por objetivo democratizar o acesso às tendências decisórias do CAM-CCBC, fomentando a construção de conhecimento para advogados e partes interessadas.[10] O uso de tecnologia IA para extrair e disponibilizar trechos relevantes representa uma ferramenta inovadora de acesso à informação, sem expor identidades.

Assim, advogados especializados em arbitragem conseguem analisar decisões anteriores e apresentar essas informações aos seus clientes, permitindo que se sintam mais confortáveis e conheçam melhor o perfil dos árbitros — para além dos currículos apresentados.

Muito se discute sobre quem são os árbitros e como realizar a melhor escolha[11]. Nesse sentido, a publicação das sentenças arbitrais se revela benéfica tanto para as partes quanto para os advogados que as assessoram.

Além disso, a carência de informações sobre decisões arbitrais é ainda mais acentuada em regiões e estados onde a arbitragem ainda não é amplamente utilizada.

Por essas razões, é necessário traçar esse brevíssimo paralelo entre a análise econômica, a escolha da arbitragem e a publicação das sentenças. Partes que conhecem melhor as tendências de decisão dos árbitros brasileiros poderão optar pela arbitragem de forma mais segura e consciente. O intuito é plantar uma semente e gerar a reflexão.

Assim, conclui-se que a publicação das sentenças arbitrais, ao trazer mais transparência sobre o procedimento e as decisões, pode ser considerada um fator econômico relevante que influencia a escolha das partes pela adoção da arbitragem.

 

 

[1] Advogada com sólida experiência em contencioso estratégico e arbitragem, especialista em arbitragem pela Universidade de Lisboa. Membro da New Generation – CAM-CCBC. Integrante do Grupo de Estudos Avançados em Processo Civil (GEAP) da Fundação Arcadas/USP.

[2] LEITE, Clarisse Frechiani Lara. Incentivos econômicos e ações societárias: um ensaio sobre análise econômica dos métodos de solução de conflitos. Civil Procedure Review, vol. 14, n. 3, set/dez 2023.

[3] Rafael Sirangelo de Abreu, Incentivos processuais. Economia comportamental e nudges no Processo Civil, São Paulo: RT-Thomson Reuters, 2020, p. 44.

[4] Bruno Meyerhof Salama, “O que é pesquisa em direito e economia?”, in Estudos de direito e economia – micro, macro e desenvolvimento, s/ c.:  EGV – Editora Virtual Gratuita, 2017, p.  12-59, disponível em https://works.bepress.com/bruno_meyerhof_salama/135/, p. 49.

[5] Robert G. Bone, “Economics of civil procedure”, p. 148-149.

[6] Robert G. Bone, “Economics of civil procedure”, p. 148-156; Ivo Gico Jr., Análise econômica do processo civil, p. 126-129.

[7] SESTER, Peter Christian. Comentários à Lei de Arbitragem e à legislação extravagante. São Paulo: Quartier Latin, 2020.

[8] “Custo do processo arbitral versus custo do processo judicial: uma análise econômica da realidade brasileira”, Revista Brasileira de Arbitragem, v. 68 n. 17, 2020, p.42-66.

[9] https://www.ccbc.org.br/cam-ccbc-centro-arbitragem-mediacao/sentencas-arbitrais-publicas/

[10] https://www.ccbc.org.br/publicacoes/noticias-ccbc/cam-ccbc-e-jus-mundi-lancam-parceria-inedita-para-publicacao-de-excertos-de-sentencas-arbitrais-gerados-por-inteligencia-artificial/#:~:text=A%20colabora%C3%A7%C3%A3o%20entre%20a%20Jus,a%20anonimiza%C3%A7

[11] Manuel Pereira Barrocas, ‘Igualdade das partes no direito de escolha dos árbitros e a complexidade do seu exercício’, (2018), 15, Revista Brasileira de Arbitragem, Issue 58, pp. 48-53, https://kluwerlawonline.com/journalarticle/Revista+Brasileira+de+Arbitragem/15.58/RBA2018017

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