A produção antecipada de provas e a arbitragem

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Leonardo Fonseca[1]

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em análise ao Recurso Especial nº 2.023.615/SP, tratou de uma importante controvérsia no que se refere à produção antecipada de provas e a arbitragem.[1] Antes de adentrar ao mérito do julgamento, segue breve síntese fática do caso.

Blue Moon Fundo de Investimentos Multimercado entrou com uma ação de produção antecipada de provas em face da empresa do setor de energia elétrica renovável, Renova Energia S.A., buscando maiores informações sobre documentos da empresa, tendo em vista as operações da Polícia Federal (PF) que apontaram desvios de recursos da Renova por meio de contratos superfaturados entre a estatal CEMIG e a Renova.[2]

A Renova apresentou, em sua defesa, além de questões societárias que afastariam a legitimidade da Blue Moon, uma preliminar de exceção de jurisdição arbitral com base na cláusula compromissória contida em seu Estatuto Social. Essa cláusula previa que, qualquer desavença ou disputa que surgisse entre as partes, especialmente aquelas relacionadas à aplicação, validade, eficácia, interpretação, violação e consequências das disposições contidas na Lei das Sociedades Anônimas e no Estatuto Social, seria submetida à arbitragem.

Em primeira instância, a alegação preliminar da Renova foi acolhida, tendo sido o processo extinto sem julgamento do mérito, com fundamento no art. 485, IV do CPC.[3]

Em síntese, entendeu o juízo de primeiro grau haver um conflito entre a produção antecipada de provas, que constitui um direito autônomo, e a previsão de medida cautelar na Lei de Arbitragem que permite às partes ingressarem no Judiciário para obtê-la, quando ainda não constituído o tribunal arbitral. Logo, deu-se a fundamentação no sentido de descaracterizar a urgência e assim delimitar que o procedimento deveria ser proposto perante o tribunal arbitral, tendo em vista a previsão da adoção da arbitragem no estatuto da companhia (Renova).

Após interposta apelação, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) conferiu parcial provimento, reconhecendo a competência da Justiça estatal, bem como atendeu parcialmente o pedido de produção antecipada de provas. Seguido de embargos de declaração que foram rejeitados, restou a interposição do recurso especial em comento.

Dentre outros pontos levados ao STJ, este artigo tratará detidamente sobre a competência do Poder Judiciário para analisar pedidos de produção antecipada de provas fundado nos incisos II e III do art. 381 do CPC[4] quando não há o requisito da urgência previsto no art. 22-A da Lei de Arbitragem.

Julgado pela Terceira Turma, teve a relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze. No seu voto, apresenta o instituto da arbitragem e os efeitos que resultam de sua escolha.

Partindo do fato de que a arbitragem atende ao direito fundamental da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV CF)[5], legitimada na autonomia da vontade das partes para submeter determinado conflito ao árbitro ao invés da jurisdição estatal – desde que se trate de direito patrimonial disponível – surgem então dois efeitos. O primeiro diz respeito à submissão das partes à arbitragem para resolver controvérsias oriundas da relação contratual; o segundo refere-se ao afastamento do Poder Judiciário em analisar o conflito de interesses.

Isso não significa um afastamento total da jurisdição estatal, o que se observa é que, em se tratando de jurisdição estatal e arbitral, é necessário haver uma cooperação de forma a ser preservada a competência do tribunal arbitral e suas prerrogativas.

A própria Lei de Arbitragem prevê em seu art. 22-A[6] que as partes podem recorrer ao Judiciário nos casos de urgência quando o tribunal ainda não tenha sido constituído, cabendo ao árbitro em momento oportuno reavaliar o que foi tratado pelo juiz.

Eis o deslinde da controvérsia. Do ponto de vista do processo civil, são duas as formas de obtenção de provas: por meio de uma ação de produção antecipada de provas, resultado das inovações trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015, ou por meio da ação cautelar, que requer a demonstração de urgência e a cautelaridade.

Mas, no que tange ao processo arbitral, com as alterações da Lei 13.129/2015 que trouxe reformas à Lei de Arbitragem, foi inserido o art. 22-A. Este demandou extensa interpretação da doutrina, visto que tal artigo prevê o estabelecimento da jurisdição estatal para conhecer de medidas cautelares e de urgência antes da instauração da arbitragem, porém em nada trata sobre o direito autônomo à produção de provas que prevê o CPC.

Esse tema ainda divide doutrinadores. Entre os que entendem que os limites de atuação do tribunal decorrem unicamente da abrangência da convenção de arbitragem, o referido      recurso aborda o entendimento de Arthur Ferrari Arsuffi, que, no tocante à produção antecipada de provas, esclarece que, se não demonstrada a urgência, somente seria possível a apreciação pelo tribunal arbitral no caso de haver previsão expressa na convenção arbitral.

Embora o respeitável posicionamento trazido acima não seja isolado, a prevalência doutrinária tem sido a de legitimar o caráter jurisdicional da arbitragem com todos os seus efeitos, bem como o que dispõe as partes segundo o que lhes confere a autonomia privada.

Nesse sentido, o entendimento firmado no recurso especial em apreço, seguiu pela primazia da autonomia da vontade das partes, como segue parte do voto do Ministro Relator:

Ausente esta situação de urgência, única capaz de autorizar a atuação provisória da Justiça estatal em cooperação, nos termos do art. 22-A da Lei de Arbitragem, toda e qualquer pretensão – até mesmo a relacionada ao direito autônomo à prova, instrumentalizada pela ação de produção antecipada de provas, fundada nos incisos II e II do art. 381 do CPC/2015 – deve ser submetida ao Tribunal arbitral, segundo a vontade externada pelas partes contratantes.

O julgado segue destacando o entendimento muito respeitado na doutrina – Flávio Luiz Yarshell – quanto à atividade do árbitro investido em tal função, pois, sendo o árbitro juiz de fato e de direito, lhe é assegurado o exercício jurisdicional. Nas palavras do professor e que foram trazidas ao voto:

Assim, inexistindo distinção entre a tutela alcançada em um e outro âmbito, não faz sentido retirar o procedimento de produção antecipada da prova do rol de atribuições do árbitro, a menos que se entenda que estaria ele a exercer apenas uma jurisdição parcial.[7]

Por fim, a Terceira Turma do STJ, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial conforme o voto do Ministro Relator, restabelecendo integralmente o que havia sido decidido em 1º grau pelo Juízo da 2ª Vara Empresarial e Conflitos de Arbitragem, que inicialmente acolheu a preliminar de exceção de jurisdição arbitral e extinguiu o processo sem julgamento do mérito.

Em conclusão, o recente recurso especial nº 2.023.615/SP confirma o entendimento doutrinário e jurisprudencial, legitimando o instituto da arbitragem, de forma a se preservar o seu caráter jurisdicional, da mesma forma visto que ambas as jurisdições se complementam em grau e importância, que surge de acordo com o caso concreto ou por expressa disposição de vontade das partes.

 

REFERÊNCIAS:

BRASIL. Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem. Brasília: Congresso Nacional, 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9307.htm. Acesso em 16 jun. 2023.

BRASIL. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília: Congresso Nacional 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em 16 jun. 2023.

BRASIL. Lei 13.129, de 26 de maio de 2015. Altera a Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, e a Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, para ampliar o âmbito de aplicação da arbitragem e dispor sobre a escolha dos árbitros quando as partes recorrem a órgão arbitral, a interrupção da prescrição pela instituição da arbitragem, a concessão de tutelas cautelares e de urgência nos casos de arbitragem, a carta arbitral e a sentença arbitral, e revoga dispositivos da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996. Brasília: Congresso Nacional 2015. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13129.htm. Acesso em 16 jun. 2023.

[1] Bacharel em Direito pela Faculdade Metropolitanas Unidas (FMU).

[2] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 2.023.615/SP. Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze. Brasília. Julgado em 14.03.2023. Publicado em 20.03.2023.

[3] MACEDO, Fausto. “PF deflagra 2a fase de operação que investiga desvios na CEMIG”. Uol. 4.jul.2018. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2019/07/25/pf-deflagra-2-fase-da-e-o-vento-levou-que-mira-em-desvios-na-cemig.htm. Acesso em 24 abr 2023

[4] Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando: IV – verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual.

[5] Art. 385: A produção antecipada da prova será admitida nos casos em que: II – a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito; III – o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação.

[6] Art. 5º, XXXV: A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

[7] Art. 22-A: Antes de instituída a arbitragem, as partes poderão recorrer ao Poder Judiciário para a concessão de medida cautelar ou de urgência.

[8] Produção Antecipada de Prova Desvinculada da Urgência na Arbitragem: Réquiem? YARSHELL, Flávio Luiz; PEREIRA, Guilherme Setoguti (Coordenadores). in Processo Societário IV. São Paulo: Quartier Latin, 2021, p. 455-472.

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