O PL 3.293/21 e negociações internacionais envolvendo o Brasil

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O PL 3.293/2021 e a atração de investimentos e capitais estrangeiros 

Ana Luisa Acurcio Santos Eisenlohr [1]

As discussões acerca da adoção de mecanismos formais ou informais de justiça vêm tendo bastante relevância nos últimos tempos. A quebra do “Mito do Estado Centralizador e Onipotente” na esfera jurídica[2] vem abrindo espaços para a maior adesão aos chamados Alternative Dispute Resolution (ADR) — Métodos Alternativos de Resolução de Controvérsias, em português — até mesmo pelos próprios sistemas jurídicos estatais, como se observa nos casos da mediação e da conciliação.

No caso da arbitragem, esta é cada vez mais adotada nos ramos corporativos para a resolução de causas envolvendo direitos patrimoniais disponíveis. A sua própria origem institucional pautada na liberdade e no consentimento se adequa perfeitamente às regras do “jogo empresarial”[3], ao permitir a preservação de questões comerciais e estratégicas. Inclusive, o seu caráter flexível, sigiloso, ágil e técnico permite que os contratantes convencionem a melhor forma para resolver as suas questões, levando sempre em consideração as particularidades do caso concreto.

No Brasil, foi a partir da promulgação da Lei n°. 9.307/96, também conhecida como “Lei Marco Maciel”, que o instituto arbitral recebeu maior adesão e relevância no contexto nacional, principalmente devido às contribuições do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no estabelecimento de precedentes importantes sobre temas controversos que até então não haviam sido discutidos.[4]

Carlos Alberto Carmona defende que, a partir da promulgação da Lei de Arbitragem, a cláusula arbitral não mais poderia ser vista como simples pré-contrato, por estipular a instituição do juízo arbitral, e não um mero compromisso entre as partes. Nas suas palavras:

“Como acordo de vontades, vincula as partes no que se refere a litígios atuais ou futuros, obrigando-as reciprocamente à submissão ao juízo arbitral; como pacto processual, seus objetivos são os de derrogar a jurisdição estatal, submetendo as partes à jurisdição de árbitros. Portanto, basta a convenção de arbitragem (cláusula ou compromisso) para afastar a competência do juiz togado, sendo irrelevante estar ou não instaurado o juízo arbitral (art. 19).”[5]

O que permite a inferência de que, sendo o árbitro equiparado a um juiz de direito, a sua decisão produz coisa julgada material, devendo a sentença proferida ser executada de modo voluntário ou através da abertura de um processo de execução junto ao Poder Judiciário, nos termos do artigo 31 da Lei de Arbitragem.

Em 2015, a Lei de Arbitragem brasileira foi reformada pela Lei 13.129, que trouxe novidades que modernizaram o instituto. Uma das alterações mais relevantes trazidas pela lei foi a confirmação da possibilidade de a Administração Pública, direta e indireta, ingressar no procedimento privado como parte, tendo o próprio legislador, em conformidade com a Constituição Federal (CF) e com a Lei de Acesso à Informação (LAI), previsto o respeito ao princípio da publicidade para os procedimentos que a envolvam.

Um outro avanço muito importante para a arbitragem brasileira esteve na formulação do relatório Private Enforcement of Shareholder Rights pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em conjunto com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e com o Ministério da Economia (ME).[6] O documento, elaborado com base numa revisão comparativa dos institutos de nove países — França, Alemanha, Israel, Itália, Portugal, Cingapura, Espanha, Estados Unidos e Reino Unido —  teve o intuito de robustecer os instrumentos efetivos de justiça, de modo a atribuir maior segurança jurídica aos investidores externos.

Apesar desses esforços conjuntos, contrariando toda a tendência nacional e internacional de estímulo à arbitragem como meio alternativo ao Judiciário estatal, o Projeto de Lei “Antiarbitragem” passou a tramitar no Congresso Nacional no ano de 2021, sem que houvesse nenhuma discussão prévia sobre o seu escopo.

Ao alterar a Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, o Projeto de Lei 3.293/2021 pretende limitar a atuação do árbitro, alargar excessivamente o dever de revelação, estabelecer o princípio da publicidade e as regras do procedimento comum para as ações anulatórias de sentença arbitral e determinar a publicação da composição do tribunal e do valor envolvido na controvérsia pela instituição responsável pelo procedimento. Essas medidas contrariam as melhores práticas adotadas no cenário internacional, o faz com que a doutrina tenha o posicionamento de que a aprovação integral do Projeto enfraqueceria a arbitragem brasileira. [7]

Tendo isso em vista, André Abbud, presidente do Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr), afirmou que o referido Projeto de Lei poderá dificultar a atração de investimentos para o Brasil.[8] Mais que isso, sabendo que os 38 países que compõem a OCDE possuem legislações arbitrais condizentes com o padrão internacional da UNCITRAL, esse Projeto de Lei poderia até mesmo dificultar a entrada do Brasil na organização.

O que se depreende é que voltar o ordenamento jurídico nacional contra os próprios princípios que definem a natureza arbitral a nível internacional eleva a insegurança jurídica para a adoção da arbitragem. Principalmente levando em consideração que o legislador brasileiro não estabeleceu regras diversas para o procedimento arbitral nacional e o internacional, mesmo que essa distinção seja uma tendência no direito comparado.

 Com isso, a frase “quando a insegurança aparece, o investidor desaparece, ou o prêmio do seguro cresce”[9], proferida pelo Comitê Brasileiro de Arbitragem à época do trâmite do Projeto de Lei 7.108/14 para alterar a Lei 9.307/96, se mostra ainda mais pertinente, pois além da insegurança jurídica imposta pelo Projeto de Lei em trâmite, ainda se têm os desequilíbrios econômicos e políticos que assolam o país.

Nesses termos, percebe-se que reduzir as vantagens comparativas da arbitragem em relação à litigância estatal é extremamente prejudicial para os negócios externos do Brasil. A segurança jurídica e a previsibilidade se mostram ainda mais importantes neste período de crise econômica inflacionária mundial, principalmente considerando o aumento da taxa de juros nos Estados Unidos.

Ao elevar a taxa de juros em 0,75 p.p, o Sistema de Reserva Federal dos Estados Unidos fez com que a aplicação em papéis do Tesouro americano se tornasse mais atrativa do que a aplicação em ativos brasileiros, em razão da diferença de riscos.[10] O mercado avalia a aplicação em mercados emergentes, como o brasileiro, com um maior risco atribuído, em razão do histórico de instabilidades econômicas e políticas, o que torna ainda mais eminente a necessidade de se estimular a segurança jurídica para a atração de investimentos e para o estímulo do comércio exterior no país.

Defende-se essa questão através de argumentos econômicos, pois a redução no volume das transações externas implica na redução conjunta e consequente da liquidez dos ativos nacionais e da entrada de novas empresas no mercado de capitais, o que pode dos ativos nacionais e da entrada de novas empresas no mercado de capitais, o que pode dificultar ainda mais a recuperação econômica do país da crise econômica advinda da pandemia da Covid-19, que foi agravada pela quebra das cadeias produtivas internacionais por conta da Guerra Russo-Ucraniana.

Através do exposto, é possível concluir que voltar-se contra a arbitragem é sinônimo de voltar-se contra o próprio sistema de mercado internacional. Sabe-se que a globalização econômica requer confiança e eficiência para a resolução de possíveis litígios que possam abarcar os investimentos e as transações de compra e venda, o que é melhor obtido por procedimentos arbitrais, em que as partes podem convencionar o(s) árbitro(s) e as regras do mérito e do procedimento, considerando as particularidades da causa.

Infere-se, portanto, que a tentativa de atribuir a feição da jurisdição estatal à arbitragem se configura sinônimo de restrição do fluxo de capital externo para o país, por trazer ao procedimento problemáticas similares às que levaram à busca de sua convenção. Justamente por essa razão que se defende que a aprovação do Projeto de Lei 3.293/2021, neste momento de crise inflacionária traria uma redução considerável no volume de negociações envolvendo o país como parte.

 

[1] Graduanda em Direito na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Graduanda em Ciências Econômicas na FUCAPE Business School (FUCAPE). Estagiária no Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr). Membra do New Generation da CAM-CCBC. Professora Assistente na disciplina Law & Economics na FUCAPE Business School. Bolsista FAPES no projeto de pesquisa: Direito da Produção Verde: os Direitos Trabalhista, Empresarial e Ambiental na construção da Justiça Climática.

[2] VERDE, Giovanni. L’arbitrato secondo la legge 28/1983. Arbitrado e giurisdizione, p. 168.

[3] GONÇALVES. André Luiz Ferreira. Mediação e Arbitragem empresarial: alternativas de resolução extrajudicial de conflitos comerciais no Brasil. Brazilian Journal of Development. Disponível em: <https://brazilianjournals.com/ojs/index.php/BRJD/article/view/1311/1193>. Acesso em: 19 de agosto de 2022.

[4] WALD, Arnoldo. Arbitration in Brazil: Case law perspective, In: MUNIZ, Joaquim de Paiva; BASÍLIO, Ana Tereza Palhares (Ed.), Arbitration Law of Brazil: Practice and Procedure, Huntington, NY: Juris Publishing,2006, APP B-1

[5] CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei nº 9.307/96. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

[6] BRASIL. Ministério da Economia. OCDE disponibiliza relatório sobre meios privados de tutela dos direitos dos acionistas. Brasília: Comissão de Valores Mobiliários, 2021. Disponível em: <https://www.gov.br/cvm/pt-br/assuntos/noticias/ocdedisponibilizarelatoriosobremeiosprivadosdetuteladosdireitosdeacionistasd99f50b1ff074684a7c7e2ac74da4580>. Acesso em 28 de outubro de 2022.

[7] Vide Nota Técnica do CIArb Brasil sobre o Projeto de Lei n. 3293/2021, de 5.01.2022, disponível em: < https://ciarb-brazil.org/nota-tecnica-pl-3293-2021/#:~:text=Nota%20T%C3%A9cnica%20do%20CIArb%20Brasil,uso%20da%20arbitragem%20no%20pa%C3%ADs.> ; e Parecer sobre o Projeto de Lei nº 3.293/2021 (“PL”) sobre alteração da Lei nº 9.307/96 da Comissão Permanente de Arbitragem e Mediação do Instituto dos Advogados Brasileiros, de 08.07.2022, disponível em: < https://www.migalhas.com.br/arquivos/2022/7/4E0DEC474B53E4_ParecerArbitragem.pdf>.

[8] PORTELLA, Michelle. Projeto sobre arbitragem pode afastar investimentos, alerta o setor. Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2022/10/5041899-projeto-sobre-arbitragem-pode-afastar-investimentos-alerta-o-setor.html>. Acesso em: 28 de outubro de 2022.

[9] PROJETO de lei que altera a lei de arbitragem. Comitê Brasileiro de Arbitragem – CBAr. Disponível em: https://cbar.org.br/site/projeto-de-lei-que-altera-a-lei-de-arbitragem-quando-o-otimo-e-inimigo-do-bom/>. Acesso em: 19 de agosto de 2022.

[10] MALAR, João Pedro. Federal Reserve eleva taxa de juros dos Estados Unidos em 0,75 ponto percentual. CNN Brasil, 2022. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/business/federal-reserve-eleva-taxa-de-juros-dos-estados-unidos-em-075-ponto-percentual/>. Acesso em: 29 de outubro de 2022.

 

REFERÊNCIAS

APRIGLIANO, Ricardo et al. Nota Técnica do CIArb Brasil sobre o Projeto de Lei nº 3293/2021. CIArb Brasil, 2022. Disponível em: < https://ciarb-brazil.org/wp-content/uploads/2022/01/220110_NotaTecnicaPL3293-2021_01a-1.pdf>. Acesso em: 11 de novembro de 2022.

CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei nº 9.307/96. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

GONÇALVES. André Luiz. Mediação e Arbitragem empresarial: alternativas de resolução extrajudicial de conflitos comerciais no Brasil. Brazilian Journal of Development. Disponível em: <https://brazilianjournals.com/ojs/index.php/BRJD/article/view/1311/1193>. Acesso em: 19 de agosto de 2022.

MALAR, João Pedro. Federal Reserve eleva taxa de juros dos Estados Unidos em 0,75 ponto percentual. CNN Brasil, 2022. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/business/federal-reserve-eleva-taxa-de-juros-dos-estados-unidos-em-075-ponto-percentual/>. Acesso em: 29 de outubro de 2022.

BRASIL. Ministério da Economia. OCDE disponibiliza relatório sobre meios privados de tutela dos direitos de acionistas. Brasília: Comissão de Valores Mobiliários, 2021. Disponível em: <https://www.gov.br/cvm/pt-br/assuntos/noticias/ocdedisponibilizarelatoriosobremeiosprivadosdetuteladosdireitosdeacionistasd99f50b1ff074684a7c7e2ac74da4580>. Acesso em 28 de outubro de 2022.

MUNIZ, Joaquim. Parecer sobre Projeto de Lei nº 3.293/2021 (“PL”) sobre alteração da Lei nº 9.307/96. Comissão Permanente de Arbitragem e Mediação do Instituto Brasileiro de Arbitragem e Mediação, 2022. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/arquivos/2022/7/4E0DEC474B53E4_ParecerArbitragem.pdf>. Acesso: 11 de novembro de 2022.

PORTELLA, Michelle. Projeto sobre arbitragem pode afastar investimentos, alerta o setor. Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2022/10/5041899-projeto-sobre-arbitragem-pode-afastar-investimentos-alerta-o-setor.html>. Acesso em: 28 de outubro de 2022.

PROJETO de lei que altera a lei de arbitragem. Comitê Brasileiro de Arbitragem – CBAr. Disponível em: <https://cbar.org.br/site/projeto-de-lei-que-altera-a-lei-de-arbitragem-quando-o-otimo-e-inimigo-do-bom/>. Acesso em: 19 de agosto de 2022.

VERDE, Giovanni. L’arbitrato secondo la legge 28/1983. Arbitrado e giurisdizione, p. 168.

WALD, Arnoldo. Arbitration in Brazil: Case law perspective, In: MUNIZ, Joaquim T. de Paiva; BASÍLIO, Ana Tereza Palhares (Ed.), Arbitration Law of Brazil: Practice and Procedure, Huntington, NY: Juris Publishing,2006, APP B-1.

 

 

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