Relatório do Evento XI Congresso CAM-CCBC de Arbitragem e 17ª Conferência Bienal do IFCAI | Parte 1

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XI Congresso CAM-CCBC de Arbitragem e 17ª Conferência Bienal do IFCAI – Parte 1

Cristina Chaim[1]

Jamyle Terceiro Jardim[2]

Mariana Dias Sallowicz[3]

Stephannye de Pinho Arcanjo[4]

 

Nos dias 14 e 15 de outubro de 2024, São Paulo recebeu o XI Congresso CAM-CCBC de Arbitragem, realizado em conjunto com a 17ª Conferência Bienal do IFCAI (em inglês, International Federation of Commercial Arbitration Institutions). O evento marcou a abertura da 7ª edição da São Paulo Arbitration Week (“SPAW”), a qual reuniu mais de 30 (trinta) eventos organizados por instituições comprometidas com o desenvolvimento da arbitragem, o que faz com que o calendário colaborativo já ocupe lugar de relevância no cenário global da arbitragem.

 

Discurso de Abertura – Rodrigo Garcia da Fonseca

Rodrigo Garcia da Fonseca (Presidente do CAM-CCBC), abriu oficialmente o XI Congresso CAM-CCBC de Arbitragem e a 17ª Conferência Bienal do IFCAI, em nome da Presidência colegiada, ao lado dos Vice-Presidentes Silvia Rodrigues Pachikoski e Ricardo de Carvalho Aprigliano.

Celebrando os 45 anos do CAM-CCBC, Rodrigo destacou não apenas os marcos institucionais, como os mais de 1.780 procedimentos administrados ao longo da história da Câmara, mas também a transformação contínua da instituição.

A excelência do CAM-CCBC foi reiterada como um compromisso permanente, sustentada por uma estrutura moderna, normas inovadoras e uma gestão certificada pelo ISO 9001. Iniciativas recentes, como o lançamento do novo Regulamento de Mediação e a parceria inédita com a plataforma Jus Mundi, foram apontadas como exemplos do esforço contínuo por transparência, acesso à informação e estímulo à mediação.

O Presidente do CAM-CCBC celebrou a integração entre culturas proporcionada pelo evento, com mais de 50% dos palestrantes vindos de fora do Brasil. A diversidade de gênero também foi destaque: 55% dos palestrantes do Congresso são mulheres, e todos os eventos da SPAW atingiram ao menos 40% de representação feminina. A presença de mulheres na lista de árbitros do CAM-CCBC também cresceu de 14% em 2015 para 35% em 2024, fruto de um consistente compromisso institucional com a equidade.

Ressaltou, ainda, o fortalecimento da atuação institucional da Câmara, com mais de 90 (noventa) iniciativas no Brasil, em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, João Pessoa, Salvador, Recife, Curitiba e Brasília, além de quase 30 (trinta) eventos internacionais em cidades como Paris, Viena, Oxford, Toronto e Buenos Aires. Parcerias estratégicas com instituições como BNDES, IArB, SIAC e o Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio de Lima também foram celebradas como formas de fomentar o uso de métodos consensuais de solução de disputas.

Outro ponto alto foi o engajamento da nova geração: o apoio ao Willem C. Vis Moot, inclusive com uso das regras do CAM-CCBC em edições anteriores da competição, e a atuação ativa do grupo New Generation CAM-CCBC foram lembrados como investimentos essenciais no futuro da arbitragem.

 

Palestra Magna – Edna Sussman

Edna Sussman proferiu a palestra magna de abertura que partiu de uma reflexão sobre a evolução do papel do árbitro frente às novas dinâmicas da resolução de disputas. A palestrante utilizou pesquisas em tempo real com a plateia, envolvendo os presentes em uma conversa direta sobre o futuro da arbitragem internacional.

A palestrante partiu de um diagnóstico claro: o ambiente global da resolução de conflitos está em transformação. Destacou o impacto de novos instrumentos internacionais, como a Convenção de Singapura sobre mediação e a Convenção da Haia de 2019 sobre o reconhecimento de sentenças judiciais estrangeiras, que vêm oferecendo alternativas eficazes à arbitragem tradicional em disputas transnacionais. Nesse novo cenário, argumentou, a arbitragem precisará evoluir se quiser preservar seu papel como o principal mecanismo de resolução de disputas comerciais internacionais.

Foi nesse contexto que introduziu um dos temas centrais de sua apresentação: a transformação do papel do árbitro. Retomando a literatura especializada, descreveu três gerações de árbitros: a primeira composta por “sábios respeitados”, mas não especialistas; a segunda, por tecnocratas com formação arbitral sólida; e uma terceira, emergente, de “gestores de casos”, voltada à condução eficiente e ao uso estratégico do procedimento. Essa nova figura, mais ativa, levanta a seguinte questão: o árbitro deve limitar-se a julgar ou pode (e deve) atuar para facilitar o acordo entre as partes?

Para explorar o tema, a palestrante recorreu a um questionário interativo, cujos resultados reforçam o diagnóstico de mudança em curso. Ao perguntar se o árbitro tem papel na promoção do acordo, 77% dos participantes presentes responderam que sim, enquanto 23% discordaram. Nova pergunta revelou que 79% acreditam que o árbitro deve considerar o impacto sobre a possibilidade de acordo ao definir o procedimento, evidenciando a disposição do público por uma atuação mais proativa do tribunal arbitral.

No plano normativo, a palestrante destacou que diversas legislações e regulamentos têm incorporado essa visão ampliada. Entre elas, citou que a lei brasileira de arbitragem estabelece que o árbitro deverá tentar a conciliação das partes no início do procedimento[5]. No entanto, uma nova enquete com o público revelou que apenas 37% dos presentes adotam medidas efetivas além de mencionar essa possibilidade no início do processo, enquanto 63% admitem não ir além do mínimo legal, sinalizando um espaço relevante para avanços.

Ao tratar das ferramentas à disposição dos árbitros, a palestrante se valeu de relatórios recentes da International Mediation Institute (IMI), da International Chamber of Commerce (ICC) e do College of Commercial Arbitrators (CCA), todos convergindo para a identificação de medidas procedimentais que, sem comprometer a imparcialidade ou a validade do processo, podem criar condições propícias à composição amigável. Entre essas ferramentas, estão a valorização da primeira conferência de gerenciamento do caso, a previsão de janelas de mediação, o uso estratégico da bifurcação, entre outros.

Mais um questionamento em tempo real revelou, contudo, que 58% dos presentes costumam dispensar a primeira conferência de gestão quando as partes já acordaram o cronograma e os termos de referência, perdendo, segundo a palestrante, uma importante oportunidade de estabelecer confiança e estimular diálogo entre as partes desde o início. Além disso, a palestrante perguntou se os árbitros costumam sugerir “janelas de mediação” nos procedimentos, respondida afirmativamente por apenas 31% da plateia, número superior, porém, a pesquisas realizadas em outras jurisdições, como Nova York, onde tal prática ainda é pouco adotada.

Por fim, em uma abordagem original, a palestrante recorreu à psicologia para explicar por que as partes muitas vezes resistem à conciliação, mesmo diante de bons argumentos. Mencionou vieses como o otimismo excessivo, o viés de confirmação, o efeito do custo afundado e a assimilação enviesada de informações — todos responsáveis por decisões distorcidas e pela manutenção de expectativas pouco realistas. Segundo ela, a condução ativa do processo pelo árbitro pode justamente ajudar a contornar esses obstáculos, fornecendo às partes mais informação e maior clareza sobre os riscos envolvidos.

Ao final, a palestra constituiu um verdadeiro chamado à ação para a comunidade arbitral: é tempo de valorizar e utilizar com mais intencionalidade os instrumentos já disponíveis. O árbitro do futuro, concluiu a palestrante, deve estar atento ao seu papel de gestor do procedimento e facilitador da comunicação, contribuindo para que a arbitragem continue sendo uma escolha confiável, eficiente e sensível às necessidades das partes.

 

Painel I – Fundos de Investimento e Arbitragem: uma visão global de práticas e regulação

O primeiro painel, moderado por Juliana Botini (sócia de Eizirik Advogados), contou com a participação de Mariana Copola (Diretora da Comissão de Valores Mobiliários – CVM), Priscila Rodrigues (Presidente da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital – ABVCAP), Ana Carolina Weber (sócia de Ana Weber Advogados) e Thierry Tomasi (sócio de Herbert, Smith, Freehills and Kramer).

A moderadora destacou o papel crítico dos fundos de investimento na economia global, por promoverem novas fontes de crédito e investimento, reduzindo a dependência dos créditos bancários. No Brasil, os fundos movimentam importantes setores econômicos – em setembro de 2024, o valor investido era de aproximadamente R$ 9,3 trilhões, distribuídos entre 31.500 fundos. No campo regulatório, o mercado passou por modificações relevantes, incluindo a criação de legislação específica. A moderadora também ressaltou a importância da arbitragem para este mercado, que exige mecanismos eficientes, céleres e especializados para a resolução de disputas.

Marina Copola abordou a importância dos fundos como via de ingresso dos investidores no mercado de ações brasileiro. Destacou que, diante do alto grau de especialização do setor, o Judiciário nem sempre responde de forma satisfatória, o que motivou a migração das disputas para a arbitragem. No campo regulatório, mencionou a Resolução CVM n. 175, que consolida a normativa aplicável aos fundos de investimento. Frisou, sobretudo, a distinção clara entre as funções do administrador fiduciário e do gestor do fundo.

Ana Weber iniciou sua fala ao conceituar os fundos de investimento como veículos de circulação de riquezas e multiplicação de capital que, conforme a Resolução CVM n. 175, correspondem a um conjunto de recursos estabelecido em forma de condomínio. Observou que, embora não possuam personalidade jurídica, os fundos têm capacidade legal autônoma e podem ser titulares de direitos e deveres. Nesse sentido, ao analisar a teia de agentes envolvidos – administrador fiduciário, gestor, companhias investidas, entre outros –, alertou para a atenção necessária ao cumprimento do dever de revelação, dada a ausência de regulamentos específicos sobre o tema nos casos que envolvendo fundos de investimento. Sobre a arbitrabilidade, analisou a possibilidade de vinculação do cotista do fundo à cláusula compromissória contida no estatuto da companhia investida. Ressaltou que, embora a análise deva considerar o caso concreto, o investimento indireto e a autonomia legal dos fundos sugerem que os cotistas não se confundem com o fundo e não estão vinculados à cláusula que subscrita pelo fundo.

Priscila Rodrigues destacou o crescimento dos fundos de investimento em participação no Brasil. Em termos regulatórios, afirmou que o país possui normas claras, que garantem segurança jurídica durante o investimento e, especialmente, no momento do resgate. Reiterou que, diante do dinamismo do setor, a arbitragem é uma aliada eficaz na resolução de conflitos, ao permitir soluções céleres e especializadas.

Por fim, Thierry Tomasi tratou da migração das disputas envolvendo fundos à arbitragem sob uma ótica internacional. Segundo ele, esse fenômeno é característico do Brasil e não se repete com frequência em outras jurisdições. Explicou que, na França, essas questões costumam ser dirimidas pelo Judiciário, mas a diversificação dos investimentos tem provocado mudanças, especialmente no setor de infraestrutura.

Também abordou a possibilidade de inclusão dos cotistas nos procedimentos arbitrais. Advertiu, contudo, que essa estratégia envolve riscos, pois exige uma fase específica para discutir a jurisdição do tribunal e avaliar a extensão da cláusula compromissória a terceiros não signatários. Essa extensão é mais viável em certas jurisdições – no Reino Unido não seria possível, mas na França há jurisprudência consolidada permitindo a extensão à parte que participou da negociação, execução ou rescisão do contrato.

 

CAM-CCBC’s News – Parceria CAM-CCBC e Jus Mundi

A conversa, conduzida por Ana Flávia Furtado (Secretária Geral Adjunta do CAM-CCBC), Rodrigo Garcia da Fonseca (Presidente do CAM-CCBC) e Jean-Rémi Maistre (CEO & Co-fundador do Jus Mundi), teve por intuito explicar os objetivos e funcionalidades da parceria entre o CAM-CCBC e o Jus Mundi, que resultou em ferramenta que, por meio de inteligência artificial, cria sumários anonimizados de sentenças arbitrais confidenciais de procedimentos administrados pelo CAM-CCBC.

Rodrigo Garcia da Fonseca endereçou o posicionamento da instituição frente à crescente demanda por transparência, pontuando que esta é acompanhada por uma crescente preocupação com a confidencialidade dos procedimentos arbitrais. Destacou que, desde 2012, o Regulamento do CAM-CCBC previa a possibilidade de publicação de sumários anonimizados de sentenças arbitrais, mas havia grande dificuldade em avaliar a melhor forma de elaborar tais sumários. A parceria com a Jus Mundi possibilitou a criação de uma forma segura, célere e simples de promover a anonimização dos dados.

Jean-Rémi Maistre, ao endereçar o funcionamento da plataforma e as fontes das quais são extraídos os dados, destacou a que ferramenta é a primeira base de dados de arbitragem, a qual é alimentada por meio de informações públicas (em grande parte fornecidos em decorrência com a International Bar Association – “IBA”), dados de instituições arbitrais parceiras (como é o caso do CAM-CCBC) e informações fornecidas pela própria comunidade do Jus Connect.

Ana Flávia Furtado destacou os principais motivos que levaram o CAM-CCBC a firmar parceria com a Jus Mundi: (i) a ausência de paywall, ou seja, não é necessário pagamento ou cadastro para que o usuário tenha acesso ao conteúdo; e (ii) a garantia de confidencialidade, que é resultado do fato de o Jus Mundi não recorrer a ferramentas de inteligência artificial externas para sumarizar as sentenças.

Por fim, quanto aos benefícios decorrentes da divulgação dos sumários anonimizados de sentenças arbitrais, o Presidente do CAM-CCBC destacou que se trata de uma resposta a uma demanda de mercado, que possibilitará a prolação de sentenças arbitrais com qualidade ainda maior e dará um grau mais elevado de previsibilidade aos casos.

 

Painel II – Pronto para Decolar: Explorando os Caminhos da Arbitragem nas Concessões de Aeroportos

O segundo painel do Congresso teve Gary Birnberg (mediador e árbitro internacional) como moderador e contou com a participação de Thiago Sousa Pereira (Diretor-Presidente da Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC), Ana Maria Rovai (Diretora Jurídica da CCR Aeroportos), Rupert Choat KC (árbitro, mediador e Editor Contribuinte da Global Arbitration Review’s Construction Arbitration) e Jennifer Haworth McCandless (sócia de Baker Botts).

O moderador, Gary Birnberg, iniciou o painel destacando a importância de entender com clareza o objeto das concessões aeroportuárias. Isso porque os aeroportos funcionam quase como “cidades” ou “jurisdições” autônomas, movimentando quantias relevantes de capital e gerando empregos em larga escala. Mencionou-se a existência de diferentes tipos de concessões e a evolução do setor desde os anos 1990. No plano comercial, destacou-se a tendência global de privatização dos aeroportos e, desde 2010, o avanço da automação.

Rupert Choat KC ressaltou a relevância do setor no Brasil, país com o segundo maior número de aeroportos do mundo. O panelista apresentou três pontos que costumam dar origem a disputas envolvendo concessões: (i) Valores fixados e não fixados – os quatro principais são: taxas pagas pela concessionária, investimento mínimo, tarifas cobradas de passageiros e de companhias aéreas e a duração do contrato; (ii) Rescisão do contrato –  com base em disposição contratual ou legislações supervenientes; (iii) Cláusulas de handback – tratam da devolução da concessão, especialmente em relação à qualidade e vida útil dos bens devolvidos, e ainda pouco comuns no Brasil.

Thiago Sousa Pereira abordou a evolução da regulação brasileira sobre concessões. Quanto ao setor aeroportuário, destacou como marco a previsão de relicitação, mecanismo de devolução “amigável” da concessão aplicável a rodovias e aeroportos. Essa devolução ocorre em casos de descumprimento contratual ou inviabilidade comercial, mediante indenização por investimentos não amortizados, e  incentivou a inclusão de cláusulas compromissórias nos contratos. Desde 2019, essa cláusula passou a ser padrão nos novos contratos de concessão aeroportuária. Para contratos anteriores, a ANAC negociou sua inclusão, com sucesso, em sete casos. Hoje, 17 dos 19 contratos em vigor contam com cláusula compromissória. Segundo o panelista, a inclusão dessas cláusulas contribuiu para a redução dos litígios. Os principais fatores para essa queda seriam os custos da arbitragem e, no setor público, a robustez das decisões administrativas.

Ana Maria Rovai tratou sobre a complexidade do setor e da dificuldade de se discutir suas questões no Judiciário, sobretudo pela falta de especialização. Ressaltou, porém, que a arbitragem tem custo elevado, que, em geral, é adiantado pela concessionária. Diante disso, sugeriu incluir dispute boards nos contratos de concessão como forma de balancear custos e especialização. Ao questionar Thiago sobre a viabilidade dessa cláusula escalonada, ambos concordaram ser uma possibilidade, embora tenham lembrado que, no passado, a ANAC vetou a presença de dispute boards nas cláusulas compromissórias.

Por fim, Jennifer Haworth McCandless abordou arbitragens envolvendo múltiplas jurisdições, comuns quando a concessionária opera aeroportos fora de seu país-sede. Tratou de arbitragens de investimento e da possibilidade de disputas relativas a concessões aeroportuárias serem endereçadas em duas frentes distintas – comercial e de investimento – , em jurisdições que aderem ao uso de tratados bilaterais de investimento – o que não é o caso do Brasil. Segundo a panelista, nesses casos, eventual descumprimento pode afetar tanto o contrato quanto o tratado de investimento, cabendo à parte decidir se iniciará uma única arbitragem ou duas.

 

Painel III – A Influência da Cultura Jurídica na Produção de Provas na Arbitragem

A mesa foi composta por Guilherme Nitschke (sócio do Tozzini Freire Advogados), moderador, e pelos expositores Fei Lu (Diretora da Divisão de Desenvolvimento de Negócios da China International Economic and Trade Arbitration Commission – CIETAC), Renato Nazzini (advogado e professor no King’s College de Londres), Marike Paulsson (Secretária-Geral do International Commerce Dispute Resolution Council of the Kingdom of Bahrain) e André Correia (sócio de CFGS Advogados).

O moderador, Guilherme Nitschke, abriu o painel indagando acerca da possibilidade de transposição das regras de produção de provas entre países, contribuindo para eventual unificação, ou se tais normas seriam necessariamente específicas de cada jurisdição. Concluiu tratar-se de um exercício de comparação entre sistemas, aprofundado pelos painelistas.

André Correia apresentou a perspectiva brasileira. Em comparação com sistemas de common law, comentou que o pedido de exibição de documentos pode ser qualificado como um “discovery limitado”, respeitados os direitos ao sigilo bancário, ao sigilo das correspondências e à não autoincriminação, previstos na Constituição. Comentou ainda a utilização do mecanismo de produção antecipada de provas, com base no art. 381 do Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015), nos arts. 22-A e 22-B da Lei de Arbitragem (Lei n. 9.307/1996), e na decisão do STJ no REsp 2.023.615/SP[6], a qual entendeu que, havendo cláusula compromissória, a produção antecipada sem urgência deve ocorrer diretamente no tribunal arbitral.

Fei Lu expôs as peculiaridades do sistema chinês. Destacou a valoração das provas documentais, as quais, no sistema chinês, têm mais peso do que as provas testemunhais, consideradas estigmatizadas na cultura local, que entende que os depoimentos são perpassados por percepções subjetivas, muitas vezes influenciadas pela relação da testemunha com uma das partes. Assim, técnicas de cross-examination são pouco desenvolvidas, e há preferência pelo uso de documentos. Sobre prova documental, Fei Lu que na China não há discovery, nem de forma limitada e é exigido que todos os documentos sejam originais ou autenticados. Quanto à atuação dos árbitros, é comum que o tribunal rejeite pedidos de produção de provas, sendo rara a inversão do ônus probatório.

Na sequência, Renato Nazzini tratou do ônus da prova na arbitragem internacional. Iniciou observando que a principal diferença não está necessariamente entre common law e civil law, mas entre jurisdições específicas – como é o caso das divergências observadas entre o sistema inglês e o americano, apesar de pertencerem à mesma tradição jurídica. Sobre o tratamento do ônus da prova, explicou que, na common law, é questão procedimental; enquanto na civil law, é substantiva. Ao discutir essa prática, abordou a possibilidade de inversão do ônus da prova. Explicou que ela é admitida se a parte requerente apresentar provas prima facie ou se o cumprimento do ônus for impossível à parte responsável por comprová-lo. Criticou a inversão no primeiro caso, sustentando que se trata, na verdade, da criação de um ônus de réplica para a parte contrária.

Por fim, Marike Paulsson falou sobre expert witness e os impactos do choque de culturas. Conduziu os participantes a refletirem sobre as Regras de Praga, em comparação às Regras da IBA sobre produção de provas. Sua principal crítica recaiu sobre a redação das Regras de Praga, considerada vaga e que abre espaço para arbitrariedades. Também discordou da ideia de que as Regras da IBA refletem uma perspectiva exclusivamente da common law, ressaltando que sua redação envolveu juristas de diversos países, com o intuito de harmonizar as tradições civil law e common law.

 

Discurso de Encerramento – Silvia Rodrigues Pachikoski

No encerramento do primeiro dia do XI Congresso CAM-CCBC de Arbitragem e 17ª Conferência Bienal do IFCAI, Silvia Rodrigues Pachikoski (Vice-presidente do CAM-CCBC) endereçou a importância e o alcance dessa edição do Congresso, que contou com a presença de quase 600 profissionais, advindos de diversas jurisdições, e celebrou o papel do Brasil como um dos protagonistas na arbitragem internacional. Relembrou a importância dos temas debatidos no dia, que abordaram questões que envolvem desde o papel do árbitro, até concessões aeroportuárias, arbitragem de fundos de investimento, produção de prova e o uso de inteligência artificial. Concluiu convocando todos a seguirem comprometidos com a construção de um ambiente arbitral mais inclusivo, eficiente e transparente, guiado pelos valores de integridade, colaboração e excelência.

 

 

[1] Graduada em Comunicação Social pela USP e pós-graduada em Gestão de Negócios pela ESPM. Atualmente cursa graduação em Direito pela FMU e pós-graduação em Direito Imobiliário pela EPD. Mediadora formada pelo IMAB, membro do GERC-FMU (Grupo de Estudos em Resolução de Conflitos), membro discente do CiArb Brasil e da New Generation CAM-CCBC.

[2] Pós-graduada em Direito Empresarial pela Fundação Getulio Vargas (FGV/RJ). Graduada em Direito pela Universidade Federal de Rondônia. Assessora da Secretaria Geral do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC).

[3] Pós-graduada em Processo Civil pela FGV/SP. Graduada em Direito pela PUC-SP. Advogada da equipe de arbitragem do L.O. Baptista Advogados.

[4] Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Advogada no Azevedo Sette Advogados na área de Arbitragem e Mediação.

[5] Conforme o § 4º do art. 21 da Lei nº 9.307/1996: “Competirá ao árbitro ou ao tribunal arbitral, no início do procedimento, tentar a conciliação das partes, aplicando-se, no que couber, o art. 28 desta Lei.”

[6] STJ, REsp n. 2.023.615/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 14/3/2023, DJe de 20/3/2023.

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