A eficiência dos meios extrajudiciais de solução de conflitos na seara trabalhista

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A eficiência dos meios extrajudiciais de solução de conflitos na seara trabalhista

 

Larissa Leite Campos Rodrigues[1]

Eloá Marinho de Oliveira[2]

 

  1. INTRODUÇÃO

 

A cultura da advocacia brasileira com sua costumeira litigiosidade está abrindo caminho para a adoção de novos métodos adequados de resolução de disputas e transformando a postura de advogados e clientes. Soluções tecnológicas e propostas vindas do próprio judiciário têm mostrado uma visão diferente sobre como tratar os conflitos.

Apesar de alguns profissionais relutarem em utilizar os métodos consensuais, a postura resolutiva está prevista no Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil (CED/OAB), nos artigos 8º e 2º, parágrafo único, inciso VI, segundo os quais é o dever dos patronos em indicar aos clientes todos os meios de solução disponíveis, fortalecendo a importância de apresentação do sistema multiportas, para além dos riscos da demanda.

O congestionamento dos tribunais, a morosidade, a insatisfação com as decisões e, principalmente, o empoderamento dos cidadãos, fez com que houvesse esse movimento de transformação da advocacia e o impulso em prol do uso cada vez maior de diversos meios de resolução de disputas.

Este artigo aborda especificamente o impacto dos métodos consensuais de resolução de conflitos no âmbito da justiça do trabalho e, utilizando a metodologia de pesquisa bibliográfica e documental, busca analisar como esses métodos podem ser utilizados na resolução de disputas trabalhistas, prevenindo a propositura de ações judiciais.

 

  1. FORMAS EXTRAJUDICIAIS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS

 

Os métodos adequados de resolução de conflitos são alternativas existentes ao processo judicial tradicional. Englobam, entre outros, os métodos consensuais de resolução de conflitos, que são formas de solucionar disputas baseadas no diálogo e no protagonismo das partes, que juntas constroem a melhor solução para uma determinada questão.

Podem partir da intervenção de um terceiro neutro, que facilita a comunicação, não existindo um juiz e sentença impondo uma decisão, mas uma resolução criada pelas partes, como exemplo a mediação, a conciliação e a negociação. Na arbitragem, há submissão da controvérsia a um árbitro para tomada de decisão. As práticas colaborativas se operam a partir do trabalho conjunto das partes e profissionais multidisciplinares. E, por meio do Dispute System Design (“DSD”), são criadas estrategicamente estruturas e procedimentos para facilitação da resolução dos conflitos, visando a prevenção de disputas formais.

Para melhor compreensão sobre o tema, importante destacar que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) de 1943, o Código Civil de 2002 (CC), o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e a Lei Federal nº 9.099/95 já acolhia de certa forma os métodos consensuais. No entanto, a Política Nacional de tratamento adequado de conflitos no judiciário foi inaugurada apenas com a Resolução nº 125/2010.[3]

Além disso, em 2015 foi alterada a Lei de Arbitragem (Lei Federal nº 13.129/2015) e publicada a Lei de Mediação (Lei Federal nº13.140/2015) e houve a promulgação do novo Código de Processo Civil (CPC), implementando artigos sobre a mediação e a conciliação, estimulando a utilização desses mecanismos, reforçando no artigo 3, § 2º do CPC que: “o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.”

Especificamente quanto aos métodos consensuais na justiça do trabalho, cerne do presente artigo, esses já aparecem desde 1943, quando a CLT aborda a implementação da conciliação em dissídios de trabalho como dever dos sindicatos (artigo 514) e instituindo as Comissões de Conciliação Prévia (artigo 625-A).

Verifica-se o incentivo para que os magistrados ofereçam tentativas de consenso, sem precisar seguir com o rito litigioso, como exemplo os artigos 764, 846, 850 e 852-E, da CLT.

Assim, para visualizar a aplicação dessas ferramentas na área trabalhista, é essencial perpassar pela natureza dos direitos trabalhistas e autonomia da vontade.

 

  1. NATUREZA DOS DIREITOS TRABALHISTAS E AUTONOMIA DA VONTADE

 

As reclamatórias trabalhistas, normalmente, versam sobre reivindicação do pagamento das verbas rescisórias, hora extra, férias, 13° salário, intervalo para descanso, FGTS, dentre outras.

Esses direitos se caracterizam por sua natureza como: disponíveis, indisponíveis e indisponíveis que admitem transação, a depender do grau de necessidade de proteção ao trabalhador. Ou seja, são disponíveis aqueles que o empregado pode negociar e não afetarão a legislação, seu bem-estar e dignidade (exemplo: salário em troca de uma jornada flexível); indisponíveis os que não podem ser negociados ou renunciados, pois interferem diretamente em direitos fundamentais do trabalhador (férias, por exemplo); e “os “direitos indisponíveis que admitem transação” são os indisponíveis, transacionáveis mediante o preenchimento obrigatório de requisitos definidos pelos sistemas de controle estatal”[4] (é o que acontece a partir do “efeito da revelia voltado à confissão (ficta) quanto à matéria de fato (artigo 844 da CLT)”[5]).

Importante ressaltar que, mesmo existindo algumas restrições sobre a utilização da mediação e conciliação sobre direitos indisponíveis – como por exemplo direito à vida, à saúde e à dignidade -, o judiciário divulga esses métodos, sendo reforçado com a Resolução 174 de 2016, do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, sendo notado pela criação do NUPEMEC (Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Disputas) e dos CEJUSCs (Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania) na seara trabalhista, mostrando que há situações passíveis de solução por vias extrajudiciais.

Mantendo a preservação dos direitos trabalhistas, a reforma da CLT em 2017 trouxe mais flexibilidade às escolhas do trabalhador para privilegiar a autonomia da vontade. “O importante é (…) fazer os magistrados respeitarem a vontade das partes, impedindo interpretações subjetivas; e criar e fortalecer os mecanismos extrajudiciais de resolução de conflitos individuais e coletivos”.[6]

No mesmo sentido, há também o posicionamento da Sexta Turma do TRT/MG, que a partir de um indeferimento da 17° vara do trabalho de Belo Horizonte sobre o pedido de homologação de um acordo trabalhista por entenderem ser prejudicial ao trabalhador, reforçou que, em regra, a vontade das partes não admite intervenção judicial[7].

Em suma, o norte é que “a vontade consensual passa a suprir a vontade estatal.”[8]

A partir disso, o próximo tópico traz reflexões sobre a eficiência dessas ferramentas na área trabalhista.

 

  1. EFICIÊNCIA DAS SOLUÇÕES EXTRAJUDICIAIS

 

Dados do Conselho Nacional de Justiça (“CNJ”) demonstram a eficiência da Justiça do Trabalho no que se refere ao volume de conciliações realizadas.

Em relação ao índice de conciliação dos tribunais, o relatório Justiça em Números de 2024 dispõe que a Justiça trabalhista resolveu através de acordos 20,2% dos seus casos e, destacando a fase de conhecimento do primeiro grau, o TRT24 alcançou 48,1% de conciliações.[9]

São diversos os benefícios advindos da utilização dos mecanismos consensuais: há cooperação entre empregado e empregador, os princípios da confidencialidade e celeridade, além de proporcionar um ambiente pacífico para a solução do problema. Os custos – emocionais e, às vezes, financeiros – são menores; há flexibilidade nos procedimentos para que atendam necessidades específicas; aumentam as chances de preservação de vínculos; e, as partes têm maior autonomia sobre os resultados.

Outra conquista advinda com a reforma da CLT em 2017 foi a abordagem quanto à regulamentação das homologações de acordos extrajudiciais somente para validar o acordo feito entre as partes, o tornando título executivo judicial caso entendam necessário. Inclusive, segundo informações do CONIMA, muitos acabam dispensando a homologação, por entenderem suficiente a formação do título e/ou em razão do índice de cumprimento dos acordos.[10]

Não fora isso, em 30 de setembro de 2024, o CNJ aprovou resolução (Resolução nº 586, de 30/09/2024) que “prevê que o acordo ajustado entre empregador e empregado na rescisão do contrato de trabalho, se homologado pela Justiça do Trabalho, ficará dado como quitação final. Ou seja, fica vedado o ingresso futuro de reclamação trabalhista sobre os termos do acordo.”[11] A aprovação do Ato Normativo 0005870-16.2024.2.00.0000 busca minorar a litigiosidade na seara laboral, sem prejudicar o colaborador ou tirar a segurança jurídica do empregador.

Ou seja, é notória a eficiência e incentivos ao uso de outros meios, além da via judicial, para sanar questões trabalhistas.

Pensando nisso, o que poderia ser feito para tornar as soluções extrajudiciais mais comuns? Sugere-se a propagação dos métodos e conceitos para os operadores da justiça e toda sociedade, bem como dos índices de utilização e êxito e a criação de ferramentas tecnológicas que viabilizem a utilização.

 

  1. CONCLUSÃO

 

Nota-se que muitos são os esforços em fomentar a utilização das formas extrajudiciais de resolução de conflitos no âmbito do direito do trabalho, como por exemplo a aprovação da Resolução nº 586, de 30/09/2024, a implementação da conciliação em dissídios de trabalho como dever dos sindicatos, instituição as Comissões de Conciliação Prévia, o incentivo para que os magistrados ofereçam tentativas de consenso e a implementação de CEJUSCs.

A justiça do trabalho recebe muitos processos a serem solucionados de forma litigiosa. Todavia, não é necessário que todos passem pelo crivo do juiz.[12] Deste modo, para a real eficácia das formas alternativas ao contencioso judicial, é preciso que as partes tenham total segurança quanto à boa-fé dos envolvidos e disponibilidade para dialogar. Além disso, os acordos precisam ter total atenção aos direitos dos trabalhadores, não colocando cláusulas indicando quitação genérica, especificando detalhadamente tudo que diz respeito, a fim de evitar que não sejam homologados na justiça.

Conclui-se, portanto, que a adoção dos mecanismos extrajudiciais para resolução de conflitos trabalhistas pode promover resultados eficientes, além de desburocratizar o acesso à justiça e fortalecer uma cultura voltada à paz social.

 

 

[1] Advogada, especialista em Mediação e Gestão de Conflitos.

[2] Advogada, especialista em Direito do Trabalho, Processual do Trabalho e Direito Imobiliário, Mediadora e Conciliadora Judicial.

[3] “Os meios consensuais encontram guarida na Consolidação da Leis do Trabalho (CLT) de 1943, no Código Civil de 2002, no Código de Defesa do Consumidor (CDC) e na Lei Federal nº 9.099/95, que versa sobre o procedimento sumaríssimo e os juizados especiais. Porém, somente com a Resolução nº 125/2010 do CNJ, foi instituída uma Política Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário”. SILVEIRA, Taffarel Deibson Lopes. Inovação na gestão de conflitos do Brasil: a importância da difusão prática e do conhecimento sobre as formas consensuais de resolução de conflitos. 2021. 115 f. Dissertação (Mestrado Profissional em Direito e Gestão de Conflitos) – Mestrado Profissional em Direito e Gestão de Conflitos, Universidade de Fortaleza, Fortaleza, 2021, p. 29.

[4] MARTINS, Gabriela Freire. Direitos indisponíveis que admitem transação: breves considerações sobre a Lei nº 13.140/2015. Portal de Periódicos IDP. Disponível em: https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/cadernovirtual/article/viewFile/1198/718 Acesso em: 8 out. 2024.

[5] GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. A indisponibilidade dos direitos trabalhistas no ordenamento jurídico. Consultor jurídico, 02 abr. 2016. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-abr-02/gustavo-garcia-indisponibilidade-direitos-trabalhistas-lei/ Acesso em: 8 out. 2024.

[6] PASTORE, José. O fim da Justiça do Trabalho? Adam News, 28 fev. 2019. Disponível em: https://conima.org.br/fim-da-justica-trabalho/ Acesso em: 7 out. 2024.

[7] “O acordo extrajudicial é procedimento de jurisdição voluntária e não permite intervenção judicial na manifestação de vontade das partes acordantes. Assim, uma vez preenchidos os requisitos fixados em lei para a homologação do acordo extrajudicial, como no caso, devem haver sua irrestrita homologação.” Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Justiça do Trabalho entende que acordo extrajudicial deve ser homologado em respeito ao princípio da autonomia da vontade. 2022. Disponível em: https://portal.trt3.jus.br/internet/conheca-o-trt/comunicacao/noticias-juridicas/justica-do-trabalho-entende-que-acordo-extrajudicial-deve-ser-homologado-em-respeito-ao-principio-da-autonomia-da-vontade . Acesso em: 7 out. 2024.

[8] GONÇALVES, Jucirema Maria Godinho. Os novos caminhos da Justiça do Trabalho. Disponível em https://ww2.trt2.jus.br/institucional/o-trt-2/portal-da-conciliacao/nucleo-permanente-de-metodos-consensuais-de-solucao-de-disputas-conflitos-individuais/os-novos-caminhos-da-justica-do-trabalho   Acesso em 3 out. 2024.

[9] “A Justiça que mais faz conciliação é a Trabalhista, que solucionou 20,2% de seus casos por meio de acordo – valor que aumenta para 36,5%, quando analisada apenas a fase de conhecimento de primeiro grau. O TRT18 apresentou o maior índice de conciliação do Poder Judiciário, com 26,8% de sentenças homologatórias de acordo. Ao considerar apenas a fase de conhecimento do primeiro grau, o maior percentual é verificado no TRT24, com 48,1%.” CNJ. Justiça em Números 2024. P. 254. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2024/05/justica-em-numeros-2024.pdf Acesso em: 7 out. 2024, p. 254.

[10]A grande maioria das pessoas, porém, têm dispensado a homologação judicial de tais acordos. Isso se dá tanto pelo fato de se contentarem com a formação de um título executivo extrajudicial, quanto pelo altíssimo índice de cumprimento de acordos celebrados no âmbito de procedimentos de mediação, visto que o resultado foi almejado e construído de forma consensual pelos próprios envolvidos”. CONIMA. Cartilha de Mediação e Arbitragem Trabalhista do CONIMA. P. 10. Disponível em: https://conima.org.br/wp-content/uploads/2021/11/Cartilha_trabalhista_CONIMA.pdf Acesso em: 7 out. 2024, p. 10.

[11] MAINENTE, Mariana. Justiça do Trabalho poderá homologar acordos extrajudiciais sem ajuizamento de ação. Agência CNJ de Notícias, 01 out.2024. Disponível em:  https://www.cnj.jus.br/justica-do-trabalho-podera-homologar-acordos-extrajudiciais-sem-ajuizamento-de-acao/ Acesso em: 3 out. 2024.

[12] MANUS, Pedro Paulo Teixeira. A celeridade não se alcança sem mecanismos de solução extrajudicial. Adam News, 30 jan. 2015. Disponível em: https://conima.org.br/celeridade-nao-se-alcanca-sem-mecanismos-de-solucao-extrajudicial/ Acesso em: 7 out. 2024.

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