A Natureza Jurídica do prazo do Art. 22-A da Lei de Arbitragem: Contagem em Dias Úteis ou Corridos? Análise do posicionamento do EDcl na Rcl 36459/DF
A Natureza Jurídica do Prazo do Art. 22-A da Lei de Arbitragem: Contagem em Dias Úteis ou Corridos? Análise do posicionamento do EDcl na Rcl 36459/DF
João Victor Fernandes Casséte[1]
João Pedro Nunes Sturm[2]
I. Resumo
O presente artigo analisa a natureza jurídica do prazo previsto no parágrafo único do art. 22-A da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96), que impõe à parte interessada a obrigação de instaurar o procedimento arbitral no prazo de 30 dias após a efetivação de medida de urgência concedida pelo Poder Judiciário. A recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), proferida nos Embargos de Declaração na Reclamação nº 36.459/DF (EDcl na Rcl 36459/DF), consignou que o referido prazo deve ser contado em dias úteis, por se tratar de prazo processual. Sustenta-se, no entanto, que a interpretação mais adequada seria a de conferir natureza material — e, portanto, decadencial — ao prazo, devendo ser contado em dias corridos. O artigo fundamenta-se em doutrina arbitralista e precedentes do STJ, estabelecendo um contraponto técnico à decisão judicial.
II. Introdução
A Lei de Arbitragem (LArb), ao tratar das tutelas provisórias pré-arbitrais concedidas judicialmente, prevê no art. 22-A, parágrafo único, que a parte interessada deverá requerer a instauração do procedimento arbitral no prazo máximo de 30 dias, contados da efetivação da medida liminar, sob pena de cessação automática de seus efeitos.
A norma, embora clara quanto à consequência da inércia, silencia quanto à forma de contagem do referido prazo: se em dias úteis, nos moldes do art. 219 do Código de Processo Civil (CPC), ou em dias corridos, conforme o art. 132 do Código Civil (CC).
III. Entendimento recente do STJ – EDcl na Rcl 36459/DF
No julgamento dos Embargos de Declaração na Reclamação nº 36.459/DF, ocorrido em 09/04/2025, sob relatoria do Ministro Humberto Martins, o STJ posicionou-se no sentido de que o prazo de 30 dias previsto no art. 22-A, parágrafo único, da Lei de Arbitragem, possui natureza processual e, portanto, deve ser contado em dias úteis.
Tal entendimento fundamentou-se no entendimento estabelecido pela Corte Especial do STJ no julgamento dos Embargos de Divergência no REsp nº 2.066.868/SP (EREsp nº 2.066.868/SP), cuja discussão consistia na definição da natureza jurídica — material ou processual — do prazo de 30 dias para a formulação do pedido principal previsto no art. 308 do CPC, nos casos de tutela cautelar requerida em caráter antecedente. Estabelecida a natureza do prazo, definir-se-ia a sua forma de contagem: se em dias corridos ou em dias úteis.
IV. Análise Crítica
Embora o julgamento do STJ se apoie no precedente firmado pela Corte Especial, entende-se que a analogia entre o art. 22-A da LArb e o art. 308 do CPC não se mostra integralmente adequada. A razão dessa distinção é estrutural: enquanto o art. 308 do CPC disciplina um ato a ser praticado dentro do mesmo processo judicial (ato endoprocessual), o art. 22-A da LArb exige a prática de um ato autônomo, exoprocessual, alheio à jurisdição estatal.
Dos fundamentos adotados pela Corte Especial do STJ no julgamento dos EREsp nº 2.066.868/SP, extrai-se que o entendimento pela natureza processual do prazo do art. 308 do CPC fundamentou-se nas seguintes premissas: (i) a sistemática do CPC de 2015 prevê a existência de um único processo, com uma etapa inicial voltada à concessão de tutela cautelar antecedente, admitindo-se a posterior ampliação da cognição; (ii) nesse contexto, a formulação do pedido principal configura ato processual, praticado nos mesmos autos, que produz efeitos diretos no processo já instaurado.
Considerando que, diversamente do que ocorre no processo judicial — no qual incumbe ao autor deduzir, nos mesmos autos, sua pretensão por meio de petição inicial —, o procedimento previsto no art. 22-A da LArb impõe à parte beneficiária da tutela de urgência o ônus de apresentar o requerimento de instauração de arbitragem diretamente à instituição arbitral competente, conclui-se que os fundamentos que justificaram a natureza processual do prazo previsto no art. 308 do CPC não se mostram aplicáveis, por analogia, ao trintídio estabelecido no art. 22-A da LArb.
Ao contrário do regime processual judicial, o ato de instauração da arbitragem dá início a um procedimento externo ao processo judicial anteriormente ajuizado, dirigido ao Tribunal Arbitral a ser constituído. Inclusive, uma vez apresentado o requerimento de instauração da arbitragem, incumbe ao requerente, tão somente, informar ao juízo estatal acerca do protocolo respectivo — não competindo ao Poder Judiciário, nessas circunstâncias, qualquer deliberação sobre a manutenção ou revogação da medida liminar anteriormente concedida[3].
A propósito, Carlos Alberto Carmona leciona que, nas tutelas pré-arbitrais, “não haverá lugar para o aditamento da petição inicial de que trata o art. 308 do Código de Processo Civil”[4], impondo-se, portanto, ao interessado a obrigação de instaurar procedimento arbitral próprio e distinto.
IV.1. Paralelo com o regime do CPC/73 e o art. 806
A propósito, o procedimento delineado no art. 22-A da Lei de Arbitragem guarda maior similitude com a lógica prevista no art. 806 do Código de Processo Civil de 1973 (CPC/73), que dispunha sobre o ajuizamento da ação principal (ação autônoma distribuída por dependência) no prazo de até 30 (trinta) dias após a concessão da medida cautelar. A interpretação atribuída pelo STJ ao referido dispositivo era clara no sentido de que se tratava de prazo de natureza decadencial, cuja contagem deveria ocorrer em dias corridos[5].
Nesse mesmo sentido e considerando tratar-se a instauração da arbitragem de procedimento autônomo e desvinculado do processo judicial anteriormente ajuizado, Joaquim Muniz observa que, “diante da necessidade de propor a ação arbitral, neste caso o processo não passou a ser ‘sincrético’, o que reforça o argumento da natureza decadencial.”[6]
IV.2. Regime jurídico da Lei de Arbitragem
Outro argumento que reforça a atribuição de natureza material ao prazo previsto no art. 22-A, da LArb, está no tratamento conferido pelo STJ[7] ao prazo de 90 dias previsto no art. 33, §1°, do mesmo diploma, para propositura da ação anulatória da sentença arbitral, o qual é reconhecidamente considerado decadencial e sujeito à contagem em dias corridos.
Em última análise, a finalidade de ambos os prazos é convergente: assegurar a segurança jurídica, conferindo primazia à competência e à autoridade das decisões proferidas pelo Tribunal Arbitral, obstando a utilização abusiva de medidas judiciais destinadas a esvaziar os efeitos próprios da arbitragem.
Com efeito, enquanto o trintídio previsto no art. 22-A visa a impedir que a parte beneficiada por tutela provisória prolongue indevidamente os efeitos da medida liminar, valendo-se de sua própria inércia enquanto posterga a instauração do procedimento arbitral[8] — foro verdadeiramente competente para a solução definitiva da controvérsia —, o prazo de 90 (noventa) dias do art. 33, § 1º, da LArb busca assegurar que a sentença arbitral, uma vez regularmente proferida, não seja desafiada de modo impróprio, com o único propósito de protelar o seu cumprimento definitivo.
Nessa perspectiva, considerando que ambos os prazos visam a coibir a utilização estratégica e indevida de instrumentos judiciais com o intuito de obstar os efeitos da arbitragem, impõe-se aplicar-lhes a mesma lógica interpretativa, reconhecendo-se tratar-se de prazos de natureza decadencial, sujeitos à contagem em dias corridos[9], que não se suspendem nem se interrompem, precisamente para evitar que a parte, por sua própria torpeza, venha a obter qualquer benefício decorrente da postergação dos efeitos vinculantes inerentes ao instituto da arbitragem.
V. Conclusão
A decisão do STJ, proferida no julgamento dos EDcl na Rcl 36459/DF, representa, sem dúvida, um avanço na consolidação da sistemática procedimental aplicável às tutelas pré-arbitrais, ao reforçar a noção de que a parte beneficiada pela tutela provisória não pode, simultaneamente, valer-se de sua própria inércia para prolongar indevidamente os efeitos da medida liminar, confirmando, assim, a obrigação de instaurar o procedimento arbitral dentro do prazo de 30 dias.
Todavia, ao equiparar a natureza do prazo previsto no art. 22-A da Lei de Arbitragem ao disposto no art. 308 do CPC, o referido posicionamento deixou de considerar a natureza autônoma e exoprocessual do ato de instauração da arbitragem — cuja lógica se dissocia da processualidade interna que rege os atos praticados no âmbito do Poder Judiciário.
À luz das premissas expostas, sustenta-se que o prazo de 30 (trinta) dias previsto no art. 22-A, parágrafo único, da Lei de Arbitragem deve ser compreendido como prazo de natureza material, submetendo-se, portanto, à contagem em dias corridos, sob pena de desvirtuar-se a lógica própria do sistema arbitral, a teleologia da norma e a até mesmo a primazia da autonomia da vontade das partes que livremente escolheram a arbitragem como método mais adequado para solucionarem eventuais controvérsias em caráter definitivo.
[1] Advogado em Aroeira Salles Advogados, graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais
[2] Advogado em Aroeira Salles Advogados, graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pós-graduando em Direito Regulatório pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
[3] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.586.833/MG, 4ª Turma, Relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, julgado em 14 dez. 2017. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 14 dez. 2017.
[4] CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo. São Paulo: Atlas, 2023, p. 339
[5] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno no Recurso Especial n. 1.444.419/MG, Terceira Turma, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, julgado em 25 out. 2016. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 10 nov. 2016.
[6] MUNIZ, Joaquim de Paiva. Tutelas de urgência e cooperação judicial. In: VENOSA, Sílvio; GAGLIARDI, Rafael; TABET, Caio (Coords.). Tratado de Arbitragem [recurso eletrônico]. Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2024.
[7] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial n. 2.332.620/PR, Terceira Turma, Relatora Ministra Nancy Andrighi, julgado em 23 out. 2023. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 25 out. 2023
[8] A esse respeito, Eleonora Coelho indica que uma das razões pelas quais a cautelar deve perder sua eficácia se a arbitragem não for instaurada no prazo de 30 dias é “evitar que a parte beneficiada com a tutela cautelar ou de urgência não a eternize e se furte da jurisdição arbitral.” Cf. COELHO, Eleonora. Tutelas cautelares e de urgência. In: Fundamentos Básicos sobre Arbitragem. [S. l.]: Comitê Brasileiro de Arbitragem – CBAr, 2023. p. 35-37.
[9] Nesse mesmo sentido, indicando que o prazo do art. 22-A da Lei de Arbitragem é decadencial, devendo ser contado em dias corridos, e não em dias úteis. BENETI, Ana Carolina. Lei de arbitragem comentada: Lei nº 9.307/1996. 1. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023. p. 266.