A primazia da arbitragem na solução de litígios envolvendo cláusulas de earn-out em operações de alienação de participação societária

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A primazia da arbitragem na solução de litígios envolvendo cláusulas de earn-out em operações de alienação de participação societária

 

Lucas Eduardo Gaspar Pinto[1]

Thiago de Oliveira Paculdino[2]

 

  1. Introdução

Na prática dos contratos de M&A, tendo em vista os interesses conflitantes entre alienantes e adquirentes ao fixar o valor justo para a companhia-alvo, é comum que estipulem que a definição final do preço da operação estará atrelada à existência e ao cumprimento de metas futuras e predefinidas, por meio das denominadas cláusulas de earn-out.

É costumeiro também que a estipulação e a aferição do cumprimento desta cláusula resultem em conflitos, seja no que concerne ao método de cálculo financeiro do valor devido, seja na verificação do cumprimento das condições previamente acordadas, ou, até mesmo, na boa-fé de uma das partes.

Como método para solucionar tais conflitos decorrentes dos contratos de alienação de participação societária, em especial decorrentes da cláusula de earn-out, percebe-se, pela dominância das cláusulas compromissórias nos contratos societários e pelas sentenças disponibilizadas[3], a primazia pela arbitragem.

Nesse sentido, este artigo irá se propor a defender que, para resolução de tais conflitos, este método de solução de conflitos se mostra como o mais adequado, o que se dará pela análise da sentença pública identificada por CAM-CCBC Arb. 64/2013/SEC3[4].

 

2. Arbitragem e os conflitos societários

2.1. Contexto histórico

Preliminarmente à análise dos litígios arbitrais envolvendo a cláusula de earn-out, faz-se necessária uma breve contextualização referente à evolução da arbitragem no direito societário brasileiro.

Desde a sanção da Lei n° 6.404/1976[5], os investidores de grandes companhias buscam, para a resolução de seus conflitos societários, uma maior expertise do responsável por proferir a decisão, bem como maior celeridade na solução do litígio. Isso porque, as disputas societárias, em sua maioria, são dotadas de uma complexidade e especificidade que, levadas ao judiciário, poderiam acarretar na diminuição dos investimentos, em razão da insegurança jurídica em decisões acerca da matéria societária[6].

Contudo, após a criação da Lei n° 9307/96[7] e da sua declaração de constitucionalidade pelo STF em 2001[8], a arbitragem se mostrou o método de resolução de disputas adequado para resolver os conflitos envolvendo o Direito Societário. Diante dessa evolução legislativa, os árbitros cumpriram o exigido pelos litígios societários: tecnicidade, individualidade e celeridade para lidar com a complexidade das disputas do ramo, trazendo a segurança jurídica necessária para a evolução do direito empresarial brasileiro[9].

2.2. Perspectiva atual

Nesse cenário, o Direito Societário se consolidou como uma das principais matérias discutidas nos procedimentos arbitrais, ao passo que, atualmente, a maioria dos contratos de grande envergadura econômica, bem como o estatuto de grandes companhias[10], estipulam cláusulas compromissórias.

A título exemplificativo, com base em relatório divulgado no ano de 2024 pela CAM-CCBC, 47% dos procedimentos arbitrais se referiam às disputas envolvendo matérias de direito societário.[11][12].

Assim, em situações de grande complexidade, como as operações de M&A, percebe-se a primazia da arbitragem em detrimento ao Poder Judiciário. Isso, porque as alienações de participação societária envolvem diversas cláusulas específicas, com alto grau de litigiosidade – como a cláusula de earn-out -, que demandam conhecimentos com os quais os árbitros, muitas vezes, possuem maior afinidade em relação aos juízes togados[13].

 

3. Da cláusula de earn-out

3.1. Conceito

Dentre os pontos controversos no âmbito do M&A, por muitas vezes, a discussão perpassa em definir o valor justo da companhia-alvo. Isso, porque o comprador, por vezes cético, requer uma maior segurança quanto à real capacidade produtiva da companhia, e o vendedor, otimista, almeja auferir o maior retorno possível nessa operação.

Nesse sentido, em vista das diferentes expectativas acerca da performance futura da companhia, as partes estabelecem que um percentual do preço de aquisição será pago mediante o cumprimento de metas futuras, via de regra relacionadas à operação da companhia.

Nas operações de M&A, o earn-out é uma forma de pagamento estipulada entre comprador e vendedor pela qual parcela do valor atribuído a determinada companhia é atrelada ao cumprimento de metas empresariais e financeiras previamente estipuladas entre as partes, sendo o seu pagamento e a sua apuração remetida à data futura.[14]

Faz-se necessário, portanto, que as metas estabelecidas pelas partes sejam passíveis de mensuração, em virtude da definição enquanto valor determinável de preço (art. 487, CC)[15], não somente quanto à adoção de metodologias de cálculo, mas também quanto à estipulação da definição acerca dos conceitos contábeis a serem utilizados.[16]

Examinado, assim, o conceito das cláusulas de earn-out, convém especificar quais funções lhe são atribuídas.

3.2. Função da cláusula de earn-out nos contratos de M&A

A principal função jurídico-econômica da cláusula de earn-out é a mitigação dos riscos intrínsecos na avaliação da companhia-alvo.

Nesse contexto, entende-se o risco como a falta de informações completas no momento da tomada de decisão, vez que certos dados e condições podem não estar à disposição das partes no momento do signing, ou não terem sido averiguadas em due diligence, mas serão amplamente conhecidas após o closing.[17]

Além da natural assimetria de informações acerca das condições de desenvolvimento da companhia-alvo, o earn-out busca suprir eventuais divergências quanto ao valor considerado justo e a capacidade de performance futura da sociedade.[18]

Desse modo, pela estipulação de cláusula de earn-out, o vendedor se mantém esperançoso quanto à performance futura da companhia, e, na mesma medida, o comprador estará obrigado a realizar o pagamento acordado em caso da companhia operar conforme expectado.

A cláusula, ainda,  é utilizada nos casos em que o alienante permanece no exercício da administração da companhia por um tempo determinado (geralmente, até o cumprimento do prazo estipulado na cláusula), para que a sociedade adquirida possa se valer do know-how e da experiência deste. [19]Possibilita, ainda, que o vendedor tenha amplo acesso ao operacional da companhia, de forma que facilite a verificação do atingimento das metas fixadas previamente.

Por fim, assim define a Judith Martins-Costa quanto à causa para sua estipulação: permitir que o negócio de aquisição societária atinja, para o adquirente, os fins de rentabilidade e lucro aos quais predisposto, por meio da colaboração do alienante numa fase de transição empresarial previamente demarcada, proporcionando, ao alienante, o justo preço pelas quotas ou ações alienadas e a justa retribuição financeira pelo seu esforço empresarial”.[20]

 

4. Dos conflitos decorrentes da cláusula de earn-out e o procedimento arbitral

Ainda que as partes direcionem os melhores esforços para mitigar os riscos e a litigiosidade intrínseca à cláusula de earn-out, não é rara a constatação de desavenças entre o comprador e o vendedor após a conclusão da operação.

De modo geral, tais conflitos costumam decorrer (i) alterações abruptas e inesperadas nas diretrizes da companhia, relacionadas a produtos vinculados ao earn-out[21]; (ii) da violação aos deveres fiduciários que devem ser estimados pelos administradores, bem como pela inexistência de “esforços razoáveis” ao atingimento das metas pré-estabelecidas[22]; ; (iii) da alteração de normas contábeis no que tange aos modos de verificação do atingimento de metas financeiras[23]; (iv) de fraude contábil visando à impedir o cumprimento das metas estipuladas[24]; (v) da dificuldade de segregação entre os negócios da companhia-alvo e as operações da adquirente[25], em casos de “canabilização” da sociedade adquirida.

A título demonstrativo, destaca-se o Procedimento Arbitral número 64 | 2013 | SEC3, cuja sentença foi disponibilizada no volume 2 das Sentenças Arbitrais Públicas pelo CAM-CCBC, em que as partes convencionaram dois pagamentos posteriores, condicionados ao cumprimento de metas, e um pagamento posterior, dependente da inexistência de valores remanescentes às obrigações assumidas no closing.

Ocorre que as partes discordaram, em síntese, acerca (i) da metodologia de apuração dos resultados para fins de aferição do cumprimento das metas e (ii) da obrigação assumida de manter inalterado o modelo operacional da companhia adquirida, durante o período de earn-out, o que justificou a instauração do procedimento arbitral.

E, almejando a melhor alternativa para solução de eventuais conflitos, é recorrente que as partes estabeleçam cláusulas compromissórias, vez que, em casos complexos, é necessário aprofundamento em matérias específicas, exigindo estrutura, conhecimento e tratamento mais dedicado, difíceis de serem obtidos no Poder Judiciário.[26]

 

5. Conclusão

Diante de todo o exposto, percebe-se a prática de mercado em considerar a arbitragem como o meio de resolução de disputas mais apto a lidar com os conflitos decorrentes da cláusula de earn-out, uma vez ressaltada a sua complexidade.

Isso, porque os juízes, em sua maioria, não apresentam, e nem lhes é exigível, o tempo e o conhecimento aprofundado sobre operações de M&A, mais especificamente, sobre a cláusula de contingência de preço. Por outro lado, os árbitros, muitas vezes, são profissionais experientes no mercado com amplo conhecimento nas questões que estão sendo discutidas, de modo que são mais preparados para elaborar a melhor decisão.[27]

Além disso, a arbitragem oferece a possibilidade de sigilo para os conflitos, o que impacta diretamente as disputas envolvendo sociedades de capital aberto, bem como a flexibilidade do procedimento, que se adequa às necessidades dos litigantes[28].

Desse modo, a arbitragem se mostra a melhor opção para a resolução dos conflitos de uma operação de M&A na qual se utilizará uma cláusula de earn-out, considerando sua litigiosidade intrínseca e a especificidade de uma eventual discussão.

 

 

 

[1] Graduando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais

Estagiário no Nankran Mourão Sociedade de Advogados

[2] Graduando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais

Estagiário no Guimarães & Vieira de Mello Advogados

[3] CAM-CCBC. Sentenças Arbitrais Públicas. Matérias Societárias | vol. 2 | Março / 2025.

[4] CAM-CCBC. Sentenças Arbitrais Públicas. Matérias Societárias | vol. 2 | p. 300 – 359 | Março / 2025.

[5] BRASIL. Lei n. 6.404, de dezembro de 1796. Dispõe sobre as Sociedades por Ações. Brasília. 1796. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6404consol.htm. Acesso em: 04/04/2025.

[6] MARTINS. Pedro Antonio Batista. Arbitragem no Direito Societário. Revista de Arbitragem e Mediação | vol. 39/2013 | pp. 55 – 58 | Out – Dez / 2013.

[7] BRASIL. Lei n. 9.307, de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem. Brasília. 1996. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9307.htm. Acesso em: 04/04/2025.

[8] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. SE 5206. O tribunal, por unanimidade, proveu o agravo para homologar a sentença arbitral, vencidos parcialmente os senhores ministros Sepúlveda Pertence, Sydney Sanches, Néri da Silveira e Moreira Alves, no que declaravam a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 6º; do artigo 7º e seus parágrafos; no artigo 41, das novas redações atribuídas ao artigo 267, inciso vii, e ao artigo 301, inciso ix, do Código de Processo Civil; e do artigo 42, todos da lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996. Votou o presidente, o senhor Ministro Marco Aurélio. 12 de dezembro de 2001.

[9] WALD, Arnoldo. A arbitrabilidade dos conflitos societários: considerações preliminares (I). Revista de Arbitragem e Mediação | vol. 12/2007 | pp. 22 – 27 | Jan / 2007.

[10] A título elucidativo, um dos requisitos para inserção das Companhias Abertas na qualificação de “Novo Mercado” da B3 é a estipulação, em seus estatutos sociais, de cláusulas compromissórias (vide Regulamento do Novo Mercado | Seção XII. Disponível em: https://www.b3.com.br/data/files/ED/C4/C1/2D/F99068101BBF1068AC094EA8/Regulamento%20do%20Novo%20Mercado%20_Versao%202023_.pdf. Acesso em: 23 de junho de 2025); op. cit. CAM-CCBC. Sentenças Arbitrais Públicas. Matérias Societárias.

[11] CAM-CCBC. Facts and Figures 2024 | p. 26. Disponível em: https://www.ccbc.org.br/cam-ccbc-centro-arbitragem-mediacao/wp-content/uploads/sites/10/2025/06/Facts-and-figures_2024-VF.pdf. Acesso em 23 de junho de 2025

[12] Constatação semelhante é verificada em relatório divulgado pela Câmara de Mercado no ano de 2022, em que 84% dos procedimentos arbitrais se referiam às disputas envolvendo o direito societário, enquanto 12% tratavam sobre contratos e 4% eram relativos às operações do mercado de capitais. [In.: LOTUFO, Mirelle Bittencourt. Disputas em M&A: A cláusula de earn-out e o cumprimento de metas. Revista de Direito Privado | vol. 123/2025 | p.267-286 | Jan – Mar / 2025].

[13] op. cit. LOTUFO, Mirelle Bittencourt.

[14] MARTINS-COSTA, Judith. Contrato de cessão e transferência de quotas. Acordo de Sócios. Pactuação de parcela variável do preço contratual denominada Earn-Out. Características e função (“causa objetiva”) do Earn-Out. Revista de Arbitragem e Mediação | vol. 42/2014 | p. 153 – 188 | Jul – Set / 2014.

[15]  BRASIL. Lei n. 10.106, de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília. 2002. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 02/04/2025

[16] ANDRADE, Fábio Siebeneichler de. Notas sobre o enquadramento da cláusula de earn-out na teoria geral do contrato de compra e venda. Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil, Belo Horizonte, v. 25, p.141-154, jul/set, 2020.

[17] ADAMEK, Marcelo Vieira Von; CONTI, André Nunes. A cláusula de earn-out (parcela contingente do preço) em aquisições de empresas no direito brasileiro. Revista de Direito Societário e M&A | vol. 5/2024 | Jan-Jun/2024 DTR\2024\5851

[18] op. cit. LOTUFO, Mirelle Bittencourt.

[19] op. cit. ADAMEK, Marcelo Vieira Von; CONTI, André Nunes.

[20] op. cit. MARTINS-COSTA, Judith

[21] ZORDAN, Luciano Piva. O earn-out na compra e venda de empresas. Editora Quartier Latin, 2019. P. 136

[22] op. cit. ZORDAN, Luciano Piva.

[23] op. cit. ADAMEK, Marcelo Vieira Von.

[24] op. cit. ADAMEK, Marcelo Vieira Von; CONTI, André Nunes.

[25] op. cit. ADAMEK, Marcelo Vieira Von; CONTI, André Nunes.

[26] CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem [livro eletrônico]; mediação; conciliação; tribunal multiportas CNJ 125|2010 – 6. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 116.

[27] LAW. Thomas. Arbitragem em Fusões e Aquisições. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais | vol. 75/2017 | p. 91 – 113 | Jan – Mar / 2017.

[28] FRANZONI, Diego Ricardo Camargo. Arbitragem societária: fundamentos para uma possível regulação. 2015. Dissertação (Mestrado em Direito Comercial) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. doi:10.11606/D.2.2015.tde-06112015-160316. Acesso em: 2025-04-12.

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