Arbitragem e Acionistas Minoritários: Lições da Decisão Sobre Indenizações no Caso Petrobras

CategoriesBlog

Arbitragem e acionistas minoritários: lições da decisão sobre indenizações no caso Petrobras

Felipe de Paula Assaf da Fonseca[1]

 

É comum que disputas envolvendo investidores e grandes companhias atraiam a atenção, especialmente quando envolvem empresas estatais, como a Petrobras.

Recentemente, um grupo de fundos estrangeiros, acionistas minoritários da estatal brasileira, deram início a um procedimento arbitral a fim de pleitear indenização pelos prejuízos sofridos por conta de queda do valor das ações da companhia na época da Operação Lava-Jato. A arbitragem tramitou perante a Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM), da B3.

O argumento central dos acionistas minoritários era de que a empresa teria deixado de informar ao mercado sobre os eventos e, com isso, teria ocultado dos investidores informações das quais tinha conhecimento e que impactaram em seu valor.

No dia 9 de janeiro de 2025, por meio de Fato Relevante, a Companhia informou que foi proferida uma sentença arbitral favorável à Petrobras, a qual entendeu que os acionistas minoritários não poderiam pedir indenização à própria empresa, que seria a vítima dos atos ilícitos que levaram à perda de valor. Segundo o comunicado, “[a] sentença julgou improcedente o pedido, entre outros motivos, por entender que, com base no direito brasileiro, investidores não podem propor ação de indenização contra a companhia por danos indiretos, como aqueles relacionados à desvalorização do valor de ações. Esta arbitragem é confidencial, assim como as demais em curso[2].

Essa decisão reacendeu o debate sobre a possibilidade de concessão de indenizações por perdas financeiras decorrentes de oscilações no valor de mercado das ações.

  1. O caso recente e o entendimento dos árbitros:

Em 9 de janeiro de 2025, a Petrobras anunciou que havia obtido uma sentença favorável na arbitragem movida por acionistas que buscavam indenização por supostas perdas financeiras ligadas a falhas informacionais da companhia.

Segundo a Petrobras, a sentença arbitral rejeitou o pedido indenizatório com base no entendimento de que, conforme o direito brasileiro, os investidores não poderiam exigir indenização da companhia por prejuízos considerados indiretos — como a desvalorização das ações.

Essa não foi a primeira vitória da estatal nesse tipo de controvérsia. Em 30 de outubro de 2024, a Corte Distrital de Rotterdam, nos Países Baixos, também rejeitou uma ação de US$ 15 bilhões movida pela Stichting Petrobras Compensation Foundation, uma associação formada por investidores e detentores de debêntures de várias nacionalidades que não participaram do acordo firmado pela Petrobras nos Estados Unidos em 2018[3].

Com a vitória na arbitragem, a Petrobras informou ao mercado sobre a sentença favorável, sem dar detalhes por conta do sigilo: “[a] sentença julgou improcedente o pedido, entre outros motivos, por entender que, com base no direito brasileiro, investidores não podem propor ação de indenização contra a companhia por danos indiretos, como as demais em curso[4].

  1. Danos Diretos x Danos Indiretos

A polêmica por trás das decisões envolvendo a Petrobras está diretamente ligada à forma como o direito brasileiro interpreta os danos sofridos por investidores. A Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/76 — “LSA”) prevê dois cenários principais para que acionistas busquem reparação:

  1. Ação ut universi: prevista nos artigos 159[5] e 246[6] da LSA, essa modalidade tem como objetivo ressarcir diretamente a empresa, não os acionistas individualmente.
  2. Ação ut singuli: prevista no artigo 159, §7º, da LSA[7], permite que um investidor busque diretamente a reparação de um dano sofrido de forma particular e direta[8].

Contudo, casos como o dos investidores minoritários da Petrobras, que buscam reaver perdas ligadas à desvalorização do valor de mercado da empresa, não estão regulados explicitamente pela LSA. O entendimento doutrinário predominante é que a redação do §7º do art. 159 da LSA exclui a possibilidade de o acionista pedir indenização direta por “danos indiretos”[9].

Na Lei das S.A., danos diretos são aqueles sofridos imediatamente pelo acionista em razão de um ato ilícito contra ele próprio, marcados pela pessoalidade, não constituindo dano sofrido de forma indistinta pela generalidade de acionistas (p. ex.: exclusão indevida de dividendo). Já os danos indiretos são aqueles que dizem respeito, incialmente, ao patrimônio da pessoa jurídica e podem afetar a mera perspectiva de recebimento de dividendos ou de outras participações nos resultados da empresa[10].

No mesmo sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem reforçado que os danos diretamente causados à sociedade trazem reflexos indiretos a todos os seus acionistas, mas esses não podem individualmente pleitear indenização por esses prejuízos indiretos[11].

  • Por que o tema continua polêmico?

A decisão favorável à Petrobras não encerrará o debate sobre o ajuizamento de litígios societários e o de ajuizamento de arbitragem para pedidos de indenizações a investidores minoritários. Isso ocorre porque outras arbitragens similares estão em andamento envolvendo grandes empresas e situações de impacto no mercado.

Um exemplo relevante é o caso da Americanas, onde acionistas ajuizaram arbitragem para solicitar indenização pelos prejuízos sofridos com a queda das ações após a descoberta de uma fraude contábil que culminou na recuperação judicial da companhia[12].

Outras companhias também enfrentam litígios semelhantes, como IRB[13] e Vale[14]. Esse aumento expressivo de disputas revela que o mercado de capitais brasileiro está cada vez mais atento à responsabilidade das companhias na transmissão de informações relevantes aos investidores e à responsabilidade de seus administradores na condução dos negócios sociais e na conformidade com os deveres fiduciários.

  1. Conclusão

O cenário jurídico envolvendo o pagamento de indenizações a investidores no mercado de capitais permanece em construção. O caso da Petrobras, e suas decisões recentes favoráveis à companhia, reforça a tendência de que prejuízos decorrentes da desvalorização das ações sejam tratados como danos indiretos, limitando, se não excluindo, a possibilidade de ajuizamento de demandas individuais de indenização.

Contudo, a existência de outros precedentes que reconhecem a possibilidade de indenização direta em casos específicos[15], aponta para um desfecho ainda incerto. A comunidade arbitral deve acompanhar com atenção os próximos desdobramentos, entender melhor os riscos envolvidos.

O tema segue controvertido, e novas decisões poderão reconfigurar os limites da responsabilidade das companhias perante seus acionistas — especialmente em um mercado volátil e cada vez mais atento às obrig

[1] Graduando em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Estagiário no Ferro, Castro Neves, Daltro & Gomide Advogados.

[2] Comunicado ao Mercado de 09 de Janeiro de 2025. Acesso em: https://www.investidorpetrobras.com.br/resultados-e-comunicados/comunicados-ao-mercado/.

[3] Comunicado ao Mercado de 30 de outubro de 2024. Acesso em: https://www.investidorpetrobras.com.br/resultados-e-comunicados/comunicados-ao-mercado/.

[4] Comunicado ao Mercado de 09 de Janeiro de 2025. Acesso em: https://www.investidorpetrobras.com.br/resultados-e-comunicados/comunicados-ao-mercado/.

[5] Art. 159. Compete à companhia, mediante prévia deliberação da assembleia geral, a ação de responsabilidade civil contra o administrador, pelos prejuízos causados ao seu patrimônio.

[6] Art. 246. A sociedade controladora será obrigada a reparar os danos que causar à companhia por atos praticados com infração ao disposto nos artigos 116 e 117.

[7] § 7º A ação prevista neste artigo não exclui a que couber ao acionista ou terceiro diretamente prejudicado por ato de administrador.

[8] GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Responsabilidade dos Administradores de Sociedades Anônimas. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, v. 42, 1981, p. 83.

[9] “Diante disso, a disciplina da responsabilidade societária dos administradores estabelecida pela Lei das S.A. elege, fundamentadamente, a companhia como legitimada primeira à tutela dos danos que tenham sido causados ao patrimônio social, reconhecendo que, ao adquirir ações, o acionista passa a ser titular de um bem que lhe confere direitos e atribui obrigações em decorrência daqueles que são estabelecidos no âmbito institucional da sociedade” (WEBER, Ana Carolina. Responsabilidade Societária: Danos Causados Pelos Administradores. São Paulo: Quartier Latin, 2021).

[10] COELHO, Fábio Ulhoa. Parecer. In: CARVALHOSA, Modesto; LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros; WAL, Arnoldo (org.). A Responsabilidade Civil da Empresa Perante os Investidores. São Paulo: Quartier Latin, 2018, pp. 195-196.

[11] “PROCESSUAL CIVIL E SOCIETÁRIO. AÇÃO PROPOSTA POR ACIONISTAS MINORITÁRIOS EM FACE DE ADMINISTRADORES QUE SUPOSTAMENTE SUBCONTABILIZAM RECEITAS. AJUIZAMENTO DE AÇÃO INDIVIDUAL PARA RESSARCIMENTO DE DANOS CAUSADOS À SOCIEDADE EMPRESÁRIA. ILEGITIMIDADE ATIVA RECONHECIDA. – Os danos diretamente causados à sociedade, em regra, trazem reflexos indiretos a todos os seus acionistas. Com o ressarcimento dos prejuízos à companhia, é de se esperar que as perdas dos acionistas sejam revertidas. Por isso, se os danos narrados na inicial não foram diretamente causados aos acionistas minoritários, não detém eles legitimidade ativa para a propositura de ação individual com base no art. 159, § 7º, da Lei das Sociedades por Ações. Recurso Especial não conhecido.” (STJ, REsp 1.014.496/SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 01.04.2008.)

[12] A Americanas é alvo de dois procedimentos arbitrais movidos por acionistas minoritários em razão das “inconsistências contábeis” reveladas em seu balanço. Um deles foi requerido pelo Instituto Ibero-Americano da Empresa na CAM da B3, com pedido de R$ 500 milhões em indenização. Outro é patrocinado por um grupo de cerca de 30 investidores estrangeiros. Ambos alegam que os acionistas foram induzidos a erro por informações falsas, resultando em perdas após a queda abrupta do valor das ações. Acesso em: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2023/01/26/investidores-tentam-abrir-nova-arbitragem-contra-americanas.ghtml.

[13] Em arbitragem coletiva instaurada na CAM da B3, investidores minoritários pleitearam indenização contra o IRB por prejuízos decorrentes do escândalo contábil de 2020. A sentença arbitral, contudo, afastou a responsabilidade da companhia, entendendo que eventuais danos seriam atribuíveis exclusivamente a ex-administradores.

[14] A Vale é parte em dois procedimentos arbitrais em curso na Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM), instaurados por acionistas minoritários em razão dos prejuízos decorrentes do rompimento da barragem de Brumadinho, ocorrido em 2019. Até o momento, não houve prolação de sentença arbitral em nenhuma das demandas.

[15] STJ, REsp 1.536.949/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, relator para acórdão Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, j. 06.09.2016

Postagens relacionadas

8 DE AUGUST DE 2025

Entrevista com Silvia...

Entrevista – Silvia Pachikoski A Coluna dos Editores é um espaço dedicado ao...

0

8 DE AUGUST DE 2025

Relatório do Evento XI...

XI Congresso CAM-CCBC de Arbitragem e 17ª Conferência Bienal do IFCAI – Parte 2...

0

8 DE AUGUST DE 2025

Relatório do Evento XI...

XI Congresso CAM-CCBC de Arbitragem e 17ª Conferência Bienal do IFCAI – Parte 1...

0

8 DE AUGUST DE 2025

Relatório do 10º Encontro...

Relatório do 10º Encontro do Ciclo de Workshops “Inadimplemento, Dano e Arbitragem”...

0

8 DE AUGUST DE 2025

Relatório do 9º Encontro do...

Relatório do 9º Encontro do ciclo de Workshops “Inadimplemento, dano e arbitragem”...

0

8 DE AUGUST DE 2025

Do discovery a produção...

Do discovery à produção antecipada de provas em arbitragem: um breve contexto sobre a...

0

LOCALIZAÇÃO

São Paulo
Rua do Rocio, 220 – 12 andar – cj. 121
Vila Olímpia – São Paulo – SP – Brasil – 04552-000

Rio de Janeiro
Avenida Presidente Wilson, 231 – 14 andar – cj. 1401
Centro, Rio de Janeiro – RJ – Brasil – 20.030-905