Produção Antecipada de Provas: A Repercussão do Recurso Especial nº 2.023.615/SP na Arbitragem Brasileira

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Produção Antecipada de Provas: A Repercussão do Recurso Especial nº 2.023.615/SP na Arbitragem Brasileira

Gabriela Cordeiro Rocha[1]

Julia Costa Cruvinel Barbosa[2]

Julia da Paz Alves [3]

 

 

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo analisar os desdobramentos do REsp nº 2.023.615/SP[4], especialmente no que tange à competência do Tribunal Arbitral em ação de produção antecipada de prova desvinculada de urgência quando houver cláusula compromissória. Como será exposto, com o provimento do recurso pelo STJ e o reconhecimento da jurisdição arbitral sobre o caso, reafirmou-se a arbitragem como meio autônomo de resolução de conflitos, sendo estabelecido que somente cabe ao jurisdicionado recorrer ao Judiciário em caso de fundada urgência, nos termos do artigo 22-A da Lei 9.307/96 (Lei de Arbitragem).

Palavras-chave: arbitragem; produção antecipada de provas; STJ.

INTRODUÇÃO: A ARBITRAGEM E A PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA

Com a entrada em vigor do CPC/15, a produção antecipada de provas, disciplinada nos art. 381 a 383 do referido diploma legal, deixou de estar condicionada exclusivamente à urgência, passando a ser admitida também nas hipóteses em que se busca estimular a autocomposição ou avaliar a necessidade de ajuizamento de uma ação[5].

Essa ampliação normativa levantou dúvidas relevantes quanto à admissibilidade da produção antecipada de provas perante o Judiciário, nos casos em que haja convenção de arbitragem e não se configure o risco de perecimento da prova[6]. Afinal, à luz do artigo 22-A da Lei de Arbitragem, a atuação do Poder Judiciário, antes da instituição do Tribunal Arbitral, deve se limitar à concessão de medidas de urgência.

Nesse sentido, quando a produção antecipada de provas é requerida com base em urgência, doutrina e jurisprudência são uníssonas ao reconhecer a possibilidade de atuação supletiva do Judiciário. Nessas situações, a jurisdição estatal atua de forma cooperativa, com a finalidade de preservar o resultado útil da arbitragem futura, justamente porque ainda não se encontra formalmente instaurado o Tribunal Arbitral[7].

A controvérsia, contudo, surge nas hipóteses em que a medida se fundamenta nos incisos II e III do artigo 381 do CPC/15, que admitem a produção antecipada de prova desvinculada de urgência. Nesses casos, coloca-se em debate a possibilidade de recorrer ao Judiciário antes da instituição do Tribunal Arbitral, ou se tal competência estaria afastada em razão da cláusula compromissória.

Parte da doutrina sustenta que tal medida, sobretudo quando requerida de forma autônoma, não implica em interferência da jurisdição arbitral uma vez que não se trata de acertamento de direito, mas sim do exercício de um direito constitucional à prova[8]. Nessa perspectiva, a cláusula compromissória não impediria o acesso à jurisdição estatal em situações em que a produção de prova visa apenas subsidiar a decisão de litigar ou não, sem incidir no mérito da controvérsia. Ademais, a ausência de regulamentação específica na Lei de Arbitragem abriria margem para a atuação supletiva do Judiciário.

Por outro lado, doutrinadores que defendem a competência exclusiva do juízo arbitral argumentam que o artigo 22-A da Lei de Arbitragem é claro ao restringir a atuação judicial às hipóteses de urgência. Fora desse cenário, qualquer medida que diga respeito ao mérito ou à instrução do conflito, inclusive a produção antecipada de provas, deve ser submetida exclusivamente ao Tribunal Arbitral, em respeito à autonomia da vontade das partes e ao efeito negativo da convenção de arbitragem[9]. Admitir a atuação judicial nesses casos comprometeria a lógica do sistema arbitral e colocaria em risco a sua eficácia.

Como se verá a seguir, tal controvérsia foi objeto de análise pelo STJ no julgamento do REsp nº 2.023.615/SP.

O JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL Nº 2.023.615/SP

Como exposto, o cerne da controvérsia recursal a ser aqui analisada residiu em definir se, à luz do disposto no CPC/15 e diante da existência de cláusula compromissória firmada entre as partes, seria do Tribunal Arbitral a competência de conhecer da ação de produção antecipada de prova desvinculada de urgência, ou se subsistiria, nesse caso, a competência do Poder Judiciário.

No caso concreto, a ação de produção antecipada de provas foi ajuizada por acionistas minoritários da companhia Renova Energia S.A, com base nos incisos II e III do artigo 381 do CPC/15. Apesar de, em primeira instância, o Juízo da 2ª Vara Empresarial e Conflitos de Arbitragem ter reconhecido a competência do juízo arbitral para tratar da matéria, o entendimento foi reformado pelo TJSP, que admitiu a jurisdição estatal. A companhia, então, interpôs o Recurso Especial ora em análise, no qual a 3ª Turma do STJ entendeu, por unanimidade, que a competência para conhecer desse tipo de ação seria do juízo arbitral.

Pois bem. Em linha com as correntes doutrinárias expostas acima, o Ministro Relator Marco Aurélio Belizze, em seu voto, destacou os principais entendimentos sobre o tema em comento.

Em síntese, as duas primeiras correntes apresentadas na decisão defendem que a mera existência de cláusula compromissória não implica, por si só, no reconhecimento da competência arbitral. A primeira, defendida por Arthur Ferrari Arsuffi[10], e a segunda, por Arruda Alvim e Clarissa Diniz[11], sustentam ser imprescindível a análise do conteúdo da cláusula compromissória para se chegar a qualquer conclusão acerca da competência do Tribunal Arbitral para esse tipo de demanda.

Já a terceira e quarta correntes doutrinárias destacadas pelo Ministro Relator reconhecem a competência do juízo arbitral para conhecer da ação de produção antecipada de provas sem o requisito da urgência, divergindo apenas quanto à existência de exceções. Enquanto a terceira corrente, defendida por Eduardo Talamini[12], admite que, excepcionalmente, tal ação, mesmo desvinculada de urgência, pode ser promovida pelo judiciário, a quarta corrente, adotada por Flávio Luiz Yarshell[13], sustenta que todas as ações dessa natureza devem ser conduzidas pelo juízo arbitral.

Acertadamente, a 3ª Turma do STJ, em concordância com a compreensão adotada por Yarshell e em respeito a autonomia da vontade das partes, entendeu que uma vez ausente situação de urgência, nos termos do artigo 22-A da Lei de Arbitragem, toda e qualquer pretensão deve ser submetida ao Tribunal Arbitral, incluindo-se a produção antecipada de provas.

Desse modo, conforme concluído pelo STJ, nas hipóteses em que não for configurada a urgência e a prova possuir ligação jurídica material com o que foi convencionado no compromisso arbitral, a produção antecipada de provas deve ser submetida à arbitragem.

A REPERCUSSÃO DO PRECEDENTE NA ARBITRAGEM BRASILEIRA E CONSIDERAÇÕES FINAIS

O precedente firmado no julgamento do recurso gerou relevantes repercussões no cenário da arbitragem brasileira, tendo sido bem recepcionado pelos órgãos julgadores estatais[14]. Além disso, serviu de estímulo para a elaboração de regulamentos específicos voltados à produção antecipada de provas no juízo arbitral quando o pedido se encontra desvinculado de urgência.

Inicialmente, em um primeiro esforço, o Centro de Arbitragem e Mediação da Amcham Brasil (CAM AMCHAM) expediu, ainda no ano de 2023, a Resolução Administrativa nº 3/2023, que versa sobre a utilização do árbitro de emergência nos procedimentos de produção antecipada de provas desvinculadas de urgência. Na mesma linha, a Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem CIESP/FIESP editou a Resolução nº 14/2024, destinada à regulação da produção antecipada de provas sem o requisito da urgência.

Recentemente, o Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC) editou a Norma Complementar 06/2025, que instituiu o Regulamento de Produção Antecipada de Prova do CAM-CCBC. Com menção expressa à jurisprudência do STJ[15], o centro confeccionou regramento próprio da matéria.

Visando o aperfeiçoamento do processo arbitral, esses esforços são benéficos à comunidade da arbitragem como um todo, já que permitem aos jurisdicionados aderir a um regime próprio e pré-determinado para a produção antecipada de provas na arbitragem. Ademais, reafirmam o papel da arbitragem enquanto meio autônomo de solução de controvérsias, como deve ser, admitindo a atuação do judiciário apenas em hipóteses restritas e absolutamente necessárias.

 

 

[1] Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Estagiária na área de contencioso cível e arbitragem no escritório Gilberto José Vaz Advogados.

[2] Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Estagiária na área de contencioso cível no escritório Câmara, Ribeiro de Oliveira e Freire Sociedade de Advogados.

[3] Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Estagiária na área de contencioso cível e arbitragem no escritório Gilberto José Vaz Advogados.

[4] STJ, REsp n. 2.023.615/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 14/3/2023, DJe de 20/3/2023.

[5] Art. 381. A produção antecipada da prova será admitida nos casos em que:

II – a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito;

III – o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação.

BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 17 mar. 2015.

[6] SIGRIST, Beatriz Maria Marques Holanda. A produção antecipada de provas na arbitragem: regulação, prática e desafios. Projeto de pesquisa apresentado ao curso de graduação em Direito da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas – FGV Direito SP, 2025. Disponível em: https://direitosp.fgv.br/sites/default/files/arquivos/beatriz-maria-marques-holanda-sigrist_proj_323114.pdf. Acesso em: 31/03/2025.

[7] MEIRELES, Carolina Costa. Produção antecipada de prova e arbitragem: uma análise sobre competência. Revista de Processo, vol. 303, p. 451–478, maio 2020.

[8] HIRSCHHEIMER, Priscila. A produção antecipada de provas e a arbitragem: a controvérsia sobre a competência para sua apreciação. Revista Brasileira de Arbitragem, vol. 65, p. 105–132, 2020.

[9] IFUKI, Daniela Akemi Prado. Produção antecipada de provas e convenção de arbitragem: análise da competência do Poder Judiciário após as mudanças introduzidas pelo Código de Processo Civil de 2015. Monografia de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Faculdade de Direito, São Paulo, 2023.

[10] ARSUFFI, Arthur Ferrari. Produção Antecipada da Prova: Eficiência e Organização do Processo. Dissertação de Mestrado. Orientadora: Thereza Celina Diniz de Arruda Alvim. São Paulo. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2018. p. 163-167.

[11] ALVIM, Arruda; GUEDES, Clarissa Diniz. Produção Antecipada de Prova e Juízo Arbitral. Revista dos Tribunais. Vol. 1008. ano 108. p. 23 40, São Paulo: Ed. RT, outubro 2019.

[12] TALAMINI, Eduardo. Produção Antecipada de prova no Código de Processo Civil de 2015. Revista de Processo. Vol. 260. São Paulo: Ed. RT, outubro de 2016, p. 75-101.

[13] YARSHELL, Flávio Luiz; PEREIRA, Guilherme Setoguti (Coordenadores). Produção Antecipada de Prova Desvinculada da Urgência na Arbitragem: Réquiem? in Processo Societário IV. São Paulo: Quartier Latin, 2021, p. 455-472.

[14] Como exemplos, menciona-se: Apelação Cível 1005319-29.2024.8.26.0506, julgada pela 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJSP e o Conflito de Competência 197.434/SP, julgado pela Segunda Seção do STJ.

[15] “CONSIDERANDO o entendimento jurisprudencial, em especial do Superior Tribunal de Justiça, pelo qual se reconhece a jurisdição arbitral para o processamento da produção antecipada de prova desprovida de urgência, sempre que tiver sido prevista convenção de arbitragem para dirimir conflitos decorrentes de dada relação contratual”.

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