A Produção de Prova Pericial em Procedimentos Arbitrais Envolvendo Disputas de Construção
A Produção de Prova Pericial em Procedimentos Arbitrais Envolvendo Disputas de Construção
Joana Zacko Schmidt[1]
1. Introdução
A consolidação da arbitragem como mecanismo preferencial para resolver disputas no setor da construção se deu por diversos fatores[2], como a liberdade das partes, a impossibilidade de revisão de mérito da sentença, a possibilidade de árbitros especialistas e, por fim, a limitação das hipóteses de anulação da sentença.[3]
A natureza complexa desses conflitos — que podem envolver múltiplas partes[4], cronogramas extensos e normas técnicas rigorosas[5] — exige a produção de provas periciais multifuncionais, das quais decorrem obstáculos singulares, como a (im)parcialidade dos peritos.
2. A Natureza Técnica das Disputas e a Prova Pericial
As controvérsias no âmbito da construção civil frequentemente giram em torno de questões extremamente técnicas, nas quais a análise puramente jurídica é insuficiente para o deslinde do caso.
Isso, porque, dos contratos de que decorrem essas controvérsias, uma das características comuns entre eles é a de serem de longa duração.[6] Justamente por perdurarem no tempo, estão mais expostos à alteração na realidade socioeconômica e ao surgimento de problemas.
Dentre as causas de pedir nos conflitos de construção, destacam-se atrasos na execução de obras, cuja análise demanda a reconstrução de cronogramas, a exemplo do caminho crítico (CPM)[7], a avaliação do impacto de eventos imprevisíveis e a verificação de atrasos na entrega de insumos[8].
Igualmente relevantes são os defeitos construtivos, que exigem inspeções, ensaios laboratoriais e comparação com normas técnicas. Além disso, disputas envolvendo reivindicações de custos demandam cálculos minuciosos, como avaliação de variações e reajustes contratuais ou despesas de retrabalho.
Engenheiros, arquitetos e especialistas em custos são convocados a analisar todas essas questões, ultrapassando a esfera jurídica.
- Desafios na Produção da Prova Pericial
A produção de prova pericial em disputas de construção enfrenta desafios práticos e processuais, como a interação entre peritos, partes e tribunal arbitral.
No sistema da common law, a tradição para a produção de prova pericial em procedimentos arbitrais é a do testemunho técnico, onde cada parte nomeia um perito, denominado de expert witness. A razão da prova produzida pelas próprias partes é que, na teoria, os advogados podem melhor instruir a causa quando possuem controle sobre a indicação do expert, tendo condições de nomear um perito em quem confiem e julguem ser apto. Nessa sistemática, cabe ao Tribunal Arbitral coordenar esforços para harmonizar perspectivas técnicas diametralmente divergentes.[9]
A despeito da doutrina e jurisprudência brasileira realizarem uma tradução mais literal do termo expert witness como “testemunha técnica”[10], a doutrina arbitralista internacional classifica essa espécie probatória não como prova testemunhal propriamente, mas sim como uma prova técnica[11].
Isso, porque esses profissionais, especialistas na área em questão, são convocados para abordar questões de ordem técnica e não questões fáticas.[12] Por isso, apesar de serem contratados pelas partes, deles se exige independência e imparcialidade em seus laudos e depoimentos, não se confundindo com os assistentes técnicos, comuns na experiência brasileira.
A isenção de parcialidade dos peritos é reforçada pela adoção de soft-laws. Exemplos emblemáticos são as IBA Rules on the Taking of Evidence e o Protocol for the Use of Party Appointed Expert Witnesses in International Arbitration, elaborado pelo Chartered Institute of Arbitrators (CIArb).
As regras da IBA preveem medidas como a exigência de declarações de independência pelos peritos, no artigo 5.2, assegurando que eventuais conflitos de interesse sejam esclarecidos. Por sua vez, o artigo 4 do Protocolo da CIArb estabelece que peritos nomeados devem atuar com independência, ressaltando que o recebimento de honorários não compromete sua objetividade. Além disso, recomenda-se a realização de cross-examinations com foco no questionamento de metodologias e pressupostos técnicos.[13]
Na experiência brasileira, a atuação de peritos indicados pelas partes não é tão comum, sendo a regra geral a indicação pelo Tribunal Arbitral.[14] A justificativa reside no fato de que existe uma verdadeira lacuna na Lei de Arbitragem e na maioria dos regulamentos sobre qual seria o regime de imparcialidade dos peritos.
Alguns autores argumentam que, ante tal lacuna, dever-se-ia aplicar, por analogia, as mesmas regras que tratam da parcialidade dos árbitros.[15][16]. Isto é, fatos que comprometem a independência ou imparcialidade dos peritos devem ser revelados e podem levar à sua recusa pelas partes.
4. Estratégias para Otimização e Credibilidade
Para superar os desafios relacionados à produção da prova pericial, cabe ao Tribunal ditar a produção de provas.[17] Isso inclui assegurar que o trabalho pericial não resulte em custos excessivos e atrasos desproporcionais.[18]
Uma das estratégias que podem ser tomadas pelo Tribunal é o early case management, quando, ainda nas fases iniciais do procedimento, delimitam-se questões técnicas-chave a serem respondidas. Essa abordagem permite estabelecer cronogramas coordenados, reduzindo o retrabalho.
Além disso, técnicas colaborativas, como o hot-tubbing , têm ganhado espaço.[19][20] Nessa prática, os peritos debatem perante o tribunal, explicando divergências e pontos de consenso em tempo real.[21] Essa dinâmica é particularmente útil em temas que envolvem a interpretação de resultados e avaliação de custos indiretos. Em casos menos complexos, é comum a elaboração de relatórios conjuntos por peritos das partes.
5. Conclusão
A prova pericial em arbitragens de construção civil é um instrumento indispensável, mas sua eficácia depende de uma abordagem meticulosa que equilibre rigor técnico e sensibilidade processual. A complexidade inerente a essas disputas exige não apenas especialistas qualificados, mas também uma gestão proativa por parte do tribunal, capaz de garantir que as análises técnicas resultem em decisões justas e eficientes.
[1] Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina.
[2] NETO, João; GUANDALINI, Bruno. 18. A Prova Pericial na Arbitragem In: NETO, João; GUANDALINI, Bruno. Provas e Arbitragem – Ed. 2023. São Paulo (SP):Editora Revista dos Tribunais. 2023..
[3] APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. ‘O Controle Judicial sobre a Limitação à Produção Probatória Determinada pelos Árbitros. Violação ao Devido Processo Legal ou Revisão Indevida do Mérito?’, Revista Brasileira de Arbitragem, (© Comitê Brasileiro de Arbitragem CBAr & IOB; Kluwer Law International 2015, Volume XII, Issue 45), pp. 58 – 81.
[4] KONDEV, Dimitar. Multi-Party and Multí-Contract Arbitration ln the Construction Industry. Hoboken: Wiley-Blackwell, 2017, p. 35.
[5] MARCONDES, Fernando. Consequências da Falta e dos Desvios de Planejamento. ln: MARCONDES, Fernando. Direito da Construção no Ambiente Internacional. São Paulo: Almedina, 2019, p. 14.
[6] MESQUITA, Marcelo A. Botelho. Arbitragem no setor da construção: árbitro-especialista, arbitragens complexas e produção da prova técnica pelas partes. Editora Foco Jurídico Ltda. 2023.
[7] MESQUITA, Botelho de; ALENCAR, Marcelo de. Adjudicação de conflitos na construção. In: MARCONDES, Fernando (coord.). Temas de direito da construção. São Paulo: Pini, 2015. p. 105-119.
[8] AZEVEDO NETO, João Luiz Lessa de; MAIA. Alberto Jonathas. Produção de provas nas arbitragens de projetos de construção e infraestrutura. In: Adriana Regina Sarra de Deus; Fernando Maluf; Ricardo Medina Salla. (Org.). Arbitragem, Infraestrutura e Direito da Construção. 1ed.São Paulo: Thompson Reuters, 2024, p. 309-320
[9] MESQUITA, Marcelo A. Botelho. Arbitragem no setor da construção: árbitro-especialista, arbitragens complexas e produção da prova técnica pelas partes. Editora Foco Jurídico Ltda. 2023.
[10] A menção ao termo “testemunha técnica” foi feita, por exemplo, no REsp n. 1.903.359/RJ, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 11/5/2021.
[11] Shilston W. Alan, ‘Some Reflections on the Role of the Expert Witness’, Arbitration: The International Journal of Arbitration, Mediation and Dispute Management, pp. 251 – 258, as available on Kluwer Arbitration at https://www.kluwerarbitration.com/document/kli-ka-amdm-58-04-007-n. No mesmo sentido, BRAY, John F., ‘Book Review: Construction Disputes – Liability and the Expert Witness, General Editor – Andrea Burns’, Arbitration: The International Journal of Arbitration, Mediation and Dispute Management, pp. 208 – 208, as available on Kluwer Arbitration at https://www.kluwerarbitration.com/document/kli-ka-amdm-56-03-015-n
[12] NUNES PINTO, José Emílio. Anotações práticas sobre a produção de prova na arbitragem, em Revista Brasileira de Arbitragem, Comitê Brasileiro de Arbitragem CBAr & IOB, Volume VII Issue 25, 2010, p. 24
[13] Chartered Institute of Arbitrators. Protocol for the Use Party-Appointed Expert Witnesses in International Arbitration. 4.1 An expert’s opinion shall be impartial and objective. 4.2 Payment by the appointing Party of the expert’s reasonable professional fees for the work done in giving such evidence shall not, of itself, vitiate the expert’s impartiality.
[14] CARMONA, Carlos Alberto. Flexibilização do procedimento arbitral, em Revista Brasileira de Arbitragem, Comitê Brasileiro de Arbitragem CBAr & 10B; Comitê Brasileiro de Arbitragem BAr & I0B, Volume VI, Issue 24, 2009, p. 19.
[15] MARTINS, André Chateaubriand. Deveres de imparcialidade e independência dos peritos: uma reflexão sob a perspectiva da prática internacional. Revista de Arbitragem e Mediação, 39/99, out 2013. Nesse sentido, CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. O Justo Processo Arbitral e o Dever de Revelação (Disclosure) dos Peritos. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. Volume XII. V.12, n.12 (2013). p. 593.
[16] Neste caso, aplicar-se-ia o disposto no Art. 14 da Lei de Arbitragem e nos Arts. 144 e 145 do Código de Processo Civil.
[17] Lei de Arbitragem. Art. 22.
[18] NETO, João; GUANDALINI, Bruno. 18. A Prova Pericial na Arbitragem In: NETO, João; GUANDALINI, Bruno. Provas e Arbitragem – Ed. 2023. São Paulo (SP):Editora Revista dos Tribunais. 2023..
[19] PUCCI, Adriana Noemi. Perito do tribunal, Hot-tubbing e Sachs Protocol. In: NETO, Maia Francisco; FIGUEIREDO, Flavio Fernando de. Coords.). Perícias em Arbitrages. 2. ed. atual. e ampl. São Paulo: Leud, 2019. p. 169.
[20] MIRANDA, Daniel Chacur de. O cross-examination no processo civil: um diálogo entre arbitragem e processo. 2020. Dissertação (Mestrado em Direito Processual) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2020.
[21] Douglas S. Jones, ‘Party Appointed Experts in International Arbitration—Asset or Liability?’, in Stavros Brekoulakis (ed), Arbitration: The International Journal of Arbitration, Mediation and Dispute Management, (© Chartered Institute of Arbitrators (CIArb); Sweet & Maxwell 2020, Volume 86, Issue 1), pp. 2 – 21